Seria chover no molhado dizer que os atentados
em Paris representam apenas a ponta do iceberg de uma sociedade doente. Para encontrar a causa da doença, basta dar uma olhada alguns palmos à frente do nariz.
O desrespeito às diferenças, a intolerância entre classes, gêneros, cores, etnias, religiões, nacionalidades, opiniões e posições políticas apresenta-se como pano de fundo para essa onda de caos, violência e morte.
O desrespeito às diferenças, a intolerância entre classes, gêneros, cores, etnias, religiões, nacionalidades, opiniões e posições políticas apresenta-se como pano de fundo para essa onda de caos, violência e morte.
Prisioneiros
deste ciclo vicioso, já conhecemos as próximas medidas.
- O governo francês já fechou as fronteiras. Ninguém entra, ninguém sai.
- O cerco aos imigrantes vai se intensificar. Aqueles de origem árabe, que já eram tratados como suspeitos, agora serão tratados como virtuais culpados.
- Ameaças de retaliação já pipocam aqui e ali.
- Estados Unidos e países da Europa vão usar o episódio para justificar ataques a países muçulmanos. Vítimas inocentes receberão solenes pedidos de desculpa.
Não existem
mocinhos e bandidos nessa guerra. É preciso apenas não cair na tentação de
observar apenas um dos lados da trincheira.
A comoção
com as mortes de Paris é legítima, mas convém lembrar que a comoção apenas
existe porque as mortes estão nas manchetes.
Recentemente
o Estado Islâmico matou 300 Yazídis, membros de uma minoria religiosa no Iraque.
Em 2014, o
Estado Islâmico matou mais de 9000 de pessoas no mesmo país.
Durante os
ataques de janeiro ao jornal parisiense Charlie Hebdo, mais de 2000 pessoas foram massacradas
na Nigéria pelo grupo Boka Haran.
Temos nossos mortos de Mariana, a extinção do ecossistema, a ganância de uma empresa, mas foram os franceses que comoveram o mundo. Porque eram os franceses que estavam nas manchetes.
Temos nossos mortos de Mariana, a extinção do ecossistema, a ganância de uma empresa, mas foram os franceses que comoveram o mundo. Porque eram os franceses que estavam nas manchetes.
Santos do Pau Oco
O general francês Paul Aussaresses, que lançou um livro defendendo os casos de tortura contra o
movimento independentista da Argélia, deu o seguinte depoimento ao Le Monde:
"É uma coisa eficaz, a tortura.
A maior parte das pessoas não aguentava, elas revelavam tudo o que sabiam. A seguir,
nos as matávamos. (...) Se isso me deu problemas de consciência? Devo dizer que
não."
Os Estados
Unidos mantêm um campo de concentração em Guantanamo, assassinam milhares de pessoas no oriente, patrocinam e derrubam
ditaduras, eliminam inimigos sem julgamento, invadem e destroem países
inteiros, utilizam drones autorizados a “decidir” quais alvos devem ser
atingidos.
Sempre é bom lembrar que tanto o Estado Islâmico quanto o A-Qaeda receberam apoio e armamento americano em suas origens.
Sempre é bom lembrar que tanto o Estado Islâmico quanto o A-Qaeda receberam apoio e armamento americano em suas origens.
A violação dos direitos humanos praticada mundo afora por governos americanos e europeus cabe em uma nota de jornal. As vítimas não são
choradas por aqui.
No Brasil, já havíamos implantado a revolta seletiva. Agora estamos aderindo à comoção seletiva, às lágrimas
guiadas por nacionalidades e apresentadores de telejornal.
Faroeste Caboclo
Os recentes
atentados em Paris representam apenas os reflexos do tipo de sociedade que a
aldeia global parece defender.
Cada vez
mais se ouvem manifestações em favor do uso da força, da brutalidade, da
punição, do “direito” de usar armas.
Cada vez
mais se tolera a prática da tortura, do constrangimento, da prepotência, das
mortes por resistência à prisão, dos julgamentos baseados em cor e classe
social.
Cada vez mais
se aplaudem linchamentos sumários.
Cada vez mais queremos combater o mal com o mal.
Cada vez mais queremos combater o mal com o mal.
Ameaça do Agora
“Não se pode
esperar o mundo mudar” – argumentam aqueles que se pronunciam pelo uso de armas – “Minha família está ameaçada agora. É agora que eu
preciso me defender”.
Ignorem-se
os dados que demonstram que o uso de armas pelo cidadão comum aumenta
consideravelmente o número de mortes (incluindo-se aí acidentes com crianças, brigas
entre casais e fechadas no trânsito).
Ignore-se tudo isso, porque números não
deveriam ser usados para falar de vidas.
Apenas
reflita a respeito do caminho que estamos percorrendo. Para onde nos dirigimos?
Sim, existe uma ameaça real agora. Pode ter alguém armado lá fora. Não abra a porta.
Sim, existe uma ameaça real agora. Pode ter alguém armado lá fora. Não abra a porta.
Mas esse agora não é de agora. Há muito tempo
que as gerações pensam apenas no presente, e se esquecem das que estão por vir. A indústria das
armas agradece.
O pior (nosso país como exemplo) é que em todas essas questões tendemos a caminhar para trás.
Enquanto os
Estados Unidos discutem a redução do porte de armas, aqui se defende exatamente
o contrário. (O tema é constrangedor para Obama – aquele que lança mísseis
sobre escolas e hospitais.)
Há pouco ouviu-se uma
manifestação enfática a favor da redução da maioridade penal. Afinal é
preciso fazer algo agora contra
esses delinquentes, não é?
A melhor solução, clara e lógica, é trancafiar
trombadinhas junto com criminosos profissionais.
Não importa se assim teremos
mais crimes, não importa se perdemos a oportunidade de recuperar jovens, não importa que estejamos marchando rumo à barbárie.
Meninos em Luta
Mas onde
estão esses manifestantes no momento em que crianças e adolescente resistem nas
escolas fechadas em São Paulo?
Quem se
levanta para apoiar os representantes de uma geração que lutam agora pelo agora do futuro?
Quem se
indigna com a truculência do Estado contra meninos que apenas exigem seu
direito à educação?
Contra os Moinhos de Vento
A guerra ao
tráfico é outra guerra perdida. E perdeu-se por ter sido travada com cavalares doses de
burrice, arrogância e preconceito. Mas
ainda se pensa que governos devem ter o poder de interferir na vida pessoal de
cada cidadão, tratando-o como incapaz de decidir o que lhe convém.
Não seria
mais civilizado e humano se o Estado controlasse a distribuição de entorpecentes e tratasse os
casos de dependência como questão de saúde pública? Não é assim com álcool, tabaco
e os sedutores tarjas pretas?
A guerra ao
tráfico gerou crimes e criminosos que não existiriam se nunca houvesse sido
travada.
Depois a Gente Vê
Nunca se
começa nada. A educação fica para o futuro. A redução das diferenças entre
classes acontecerá naturalmente, quando Deus estiver de bom humor.
Não seria
mais sábio começar a preparar o mundo para as próximas gerações? O que precisamos é permitir às crianças e
jovens que se iluminem para algumas evidências:
- Todos os homens são iguais.
- Nacionalidades são apenas rótulos territoriais.
- Religiões são apenas meios de chegar ao mesmo lugar.
- Fanáticos não as representam.
- A Terra não tem dono, a Terra é a casa de todos que aqui nasceram.
- Todos tem o sagrado direito de ir e vir aonde lhes der na telha.
- Fronteiras simbolizam a falência da civilização.
Para onde, José, para onde?
Por isso a
pergunta permanece: para onde queremos ir, que caminho queremos percorrer?
Devemos mesmo
insistir nas trilha da ira e da vingança, devemos mesmo utilizar as armas do
mal para combater o mal?
Assistiremos impassíveis à contagem das próximas vítimas, desde que não sejam cidadãos europeus ou americanos?
Se continuarmos na política do olho por
olho, dente por dente, nosso destino já está selado: acabaremos
todos cegos e banguelas.