sábado, 14 de março de 2015

Tapa de Novela


Beijo sem fronteiras


Antigamente usava-se a expressão beijo de novela para definir aquele beijo lânguido ou ardente, aquele contato de lábios e línguas técnicas que obrigavam Abigail a desviar os olhos da TV.

Beijo de novela, vejam só... A Vênus Global e Platinada havia alcançado o status de precursora dos beijos. O Beijo. Completo. Escandaloso.

Mas para gregos e franceses não há escândalo algum em nossas exibidas línguas televisivas.


Se as modalidades de beijo associadas àquelas nacionalidades fossem praticadas pelo Comendador e pela Imperatriz, os Marinhos teriam suas bochechas estapeadas em praça pública.


Evolução do beijo

Até os anos 80, para indicar que mocinho e mocinha se engalfinhavam sob lençóis, a câmera percorria o quarto, mostrava um abajur aceso, a porta fechada, o vestido no chão.


Uma musiqueta melada na vitrola confirmava os amassos. Abigail saía da sala e ia rezar o terço.

Depois começaram a aparecer quatro pezinhos intercalados sobre o colchão, um mexe-mexe nervoso, e a musiqueta se fez acompanhar de suspiros.

Mais tarde um ou outro seio surgiu, coxas se entrelaçaram, globais correram para as academias e Abigail foi ler o Apocalipse.

Hoje o bafafá concentra-se no beijo gay. As opiniões podem ser medidas em uma escala que vai de quebra de tabus à causa da dissolução de famílias.


Mas todos esperam ansiosos o fim do Jornal Nacional. Depois do boa-noite do Bonner, Lima Duarte e Ary Fontoura vão finalmente dar aquela bitoca.




Sutileza Zero

Autor e diretor fariam melhor trabalho se optassem por delicadas indicações, pelo pequeno sussurrar do amor que acontece naquelas doces penumbras. 


Ganharíamos em arte, tempo e bom gosto. E manteríamos Abigail confortável no sofá.

O fato é que não se trata do conforto de Abigail. Moralismo não pode ser o eixo dessa balança que oscila aos sabores da audiência.



Tapa e caviar

É curioso perceber a ausência de embaraços quando, entre propagandas subliminares e mensagens edificantes, alguém dá um tapa bem dado na cara de alguém.

Existe algo mais escandaloso a ser mostrado do que esse tapa?


Assim como as cenas de sexo, o tapa e as intermináveis e repetidas cenas dos jantares em família também são prescindíveis.

Prescindível também é a ostentação que se evidencia nos rostos dos serviçais refletidos em bandejas de prata.

Não bastasse o insulto a um país que engatinha para sair do mapa da fome, as cenas de jantar são garantia de stress, tensão e conflito.

Não tem salada sem indireta, não tem lagosta sem bate-boca, não tem profiterole sem soco na mesa . 


É comum que, antes mesmo de cafezinho e licor, alguém se levante como se fosse rasgar o roteiro e chutar o contrarregra.

Abigail, que saboreia seu macarrão de salsicha regado a goles de Tang, recebe, ali no sofá, sua dose noturna de petulância e pouca-vergonha verbal.


Abigail engole seu Rivotril de imoralidade e vai dormir. Se der sorte vai sonhar com um certo homem de preto - nas mais ousadas condições.

É bem provável que, no atual contexto, o jantar em família seja mais indecente do que a cena de sexo, mais escandaloso do que as variadas manifestações humanas de afeto e sexualidade representadas num beijo.



Premissas para o tapa perfeito


Muitos dos conflitos da ceia se resolverão com um belo tapa. Mas não pode ser um tapa qualquer.


Para causar o efeito desejado sobre a já anestesiada audiência, algumas premissas básicas devem ser cumpridas:

1) Provocará mais satisfação se o tapa for desferido por um dos heróis do folhetim.
 

2) É fundamental fazer do bofete um ressonante espetáculo de desagravo.

3) Recomenda-se um risco de sangue no canto da boca.

4) Se o feliz proprietário das bochechas estapeadas usar óculos, é preciso que fiquem atravessados no nariz. E que eles sejam consertados com dedos trêmulos e submissos.



Finalmente vingados
 

A verdade é que esses aspectos sonoros e visuais do tapa cumprem apenas papel acessório.

O importante é transmitir aquela sensação de desprezo, de humilhação, de repulsa.

É a aguardada chance para que Abigail exulte no sofá. A deixa para que os lábios desenhem um semi-sorriso de satisfação.



Eu vejo você na Globo

- Ora - defende o patrão -, novelas representam a sociedade. Se há tapa na vida real, é legítimo que tapas estalem na telinha.

Mas, afinal, qual é mesmo a sociedade que a novela representa?

A sociedade multirracial que resume a população não-branca a três ou quatro gatos pingados em posições subalternas?

A sociedade dos estereótipos? Não é geralmente no núcleo pobre que surgem personagens caricatos, idólatras do mundo dos ricos, tolos inaptos para manejar garfo e faca ou incapazes de admirar uma obra de arte?

Não, a exibição de tapas em close-ups não visa representar a sociedade. Menos ainda pretende criticar o ato.


O tapa na cara dirige-se à horda raivosa em frente à TV. Não como representação, mas como incentivo.

A lição é óbvia: paga-se na mesma moeda. O mal pelo mal e estamos quites. 


A exibição de tapas mira o sentimento sórdido de uma sociedade em busca de vingança.

Espectadores sedentos por revanche libertam suas frustrações diárias naquele redentor encontro de mãos espalmadas e rosadas bochechas.

Então responda nossa enquete: Tapa na cara pode nos redimir?


Muito longe da redenção, a desforra é sinal de nossa incapacidade de chegar ao destino do caminho que pensamos percorrer - o caminho que começou com primatas irracionais e aponta para aquilo que se chama humanidade.

Ou nos tornamos humanos de vez ou permaneceremos neste estágio intermediário entre homem e bicho, assumindo um ou outro de acordo com as circunstâncias.


Quando somos humanos?


Somos humanos quando aprendemos que a missão consiste em aumentar o contingente de homens de boa vontade.

Somos humanos quando sabemos nos colocar no lugar do outro antes de julgar.

Somos humanos quando sofremos o sofrimento alheio.

Somos humanos quando usamos da delicadeza somente possível a esses cidadãos inteligentes e sensíveis que pensamos ser.

Da inteligência e sensibilidade nasce o exemplo. Nasce o desejo de contagiar o outro com o próprio desprendimento, a inesperada manifestação de perdão ou o providencial e educativo tapa de pelica.

Mas há sempre um macaco raivoso que grita lá das cavernas de nossa incivilidade. E acabamos nos rendendo ao bicho.


O bicho homem não é um bicho qualquer. Ele alia a irracionalidade da fúria ao cálculo astuto e perverso que o levará, ao mesmo tempo, à liberação de seus instintos e à satisfação de uma alma oprimida.


Quando somos bichos? Que tipo de bicho somos?

Somos bichos ardilosos sempre que esperamos o momento exato para dar o bote e submeter a presa.

Somos bichos cínicos quando julgamos os crimes de criaturas da mesma espécie com a inflexibilidade de quem nunca cometeu crime algum.

Somos bichos bichos quando defendemos a lei do mais forte.


É da natureza – dizem uns.

Também a evolução é lei da natureza. Evoluir da lei do mais forte para a lei dos iguais deveria ser o anseio dos homens.


Tapa na própria cara

O tapa na cara simboliza a negação da dignidade do outro e de nós mesmos.


O tapa na cara expõe a degradação de uma espécie que se orgulha de usar espírito e intelecto para resolver as contendas terrenas.

Não foi a TV que inventou, gregos e franceses não reivindicam autoria, mas aí está algo que deveria nos deixar embaraçados. 


Ai está o que deveria desnudar nossa infantilidade emocional.

Ai está o sonoro, obsceno e ultrajante tapa de novela.

Mas, para Abigail e nossa sociedade doente, a indecência não está no tapa, no pontapé, nas armas, no sangue que brota na tela. A indecência não está na promoção do ódio.

Para Abigail e nossa sociedade doente, a indecência está no beijo. A indecência está no amor.




quarta-feira, 11 de março de 2015

A Divina Matrix

painting by michael cheval

(O texto a seguir é a desengonçada tradução de um trecho do livro The Divine Matrix, de Gregg Braden, publicado pela Hay House.)


Em 1854, o Chefe Seattle advertiu os legisladores de Washington que a destruição da vida selvagem da América do Norte teve implicações que vão muito além dos tempos atuais e ameaçam a sobrevivência das gerações futuras.

Com uma sabedoria que permanece tão profunda hoje como era em meados do século 19, o chefe afirmou: "O homem não tece a teia da vida, ele é meramente um fio dela. Tudo o que ele faz com a teia faz a si mesmo ".

O paralelo entre a descrição do nosso lugar na teia da vida e nossa conexão com (e dentro) da Matrix Divina é inconfundível. Como parte de tudo o que vemos, nós somos participantes de uma conversa sem fim, um diálogo quântico com o nosso mundo, conosco mesmo e além.

Dentro desse intercâmbio cósmico, os nossos sentimentos, emoções, orações e crenças representam nosso falar com o universo. E tudo, desde a vitalidade de nossos corpos até a paz no mundo, expressa a resposta que o universo nos dá.


O que significa participar no Universo?
 

O físico John Wheeler sugere que nós não somos coadjuvantes no que ele chama de um universo participativo, diz que cumprimos o papel principal.

A chave para a proposição de Wheeler é a palavra participativa. Neste tipo de universo, você e eu somos parte da equação. Nós dois somos catalisadores para os eventos de nossas vidas, assim como os experimentadores daquilo que criamos.

Nós somos parte de um universo que é um trabalho em andamento. Nesta criação inacabada, somos pequenos remendos do universo que olha para si mesmo e se constrói.

A sugestão de Wheeler abre a porta para uma possibilidade radical: se a consciência cria, então o próprio universo pode ser o resultado dessa consciência.

As opiniões de Wheeler foram emitidas no final do século 20, mas não podemos deixar de relembrar a declaração de Max Planck, em 1944. Planck diz que tudo existe devido a uma mente inteligente - o que ele chamou de a Matrix de toda a matéria.

A pergunta a ser feita é simples: que mente é essa?

Em um universo participativo, o ato de focar em nossa consciência – a consciência de nós mesmos procurando algum lugar no mundo e examinando esse mundo - é um ato de criação de nós mesmos, em nós mesmos.

Somos os únicos a observar e estudar o nosso mundo. Nós somos a mente (ou, pelo menos, parte de uma mente superior), como descreveu Planck. Para onde quer que olhemos, a nossa consciência constrói algo para que possamos ver.

Em nossa busca para encontrar a menor partícula da matéria e na nossa tentativa de definir os limites do universo, o raciocínio de Planck sugere que nossas buscas e tentativas talvez sejam vãs.

Não importa o quão profundamente observemos no mundo quântico do átomo, ou o quão longe cheguemos na vastidão do espaço exterior, o ato de olharmos com a expectativa de que algo existe pode ser exatamente a força que cria algo para que possamos ver.
Ignacio Nazabal

Um universo participativo - exatamente o que isso implica? Se a consciência realmente cria, então quanta energia nós realmente precisamos para mudar nosso mundo? A resposta pode surpreendê-lo.

Um visionário de Barbados do século 20, conhecido simplesmente pelo nome de Neville, talvez tenha sido mais feliz em descrever nossa capacidade de realizar sonhos e trazer vida à imaginação.

Através de seus inúmeros livros e palestras, em termos que são simples, mas diretos, ele compartilhou o grande segredo de como navegar nas muitas possibilidades da Matrix Divina.


Da perspectiva de Neville, tudo o que experimentamos - literalmente tudo o que nos acontece ou é feito por nós - é o produto de nossa consciência e absolutamente nada mais.

Ele acreditava que a capacidade de aplicar esse entendimento por meio do poder da imaginação é tudo o que nos separa dos milagres de nossas vidas.


Assim como a Matrix Divina fornece o recipiente para o universo, Neville sugeriu que é impossível que qualquer coisa aconteça fora do recipiente de nossa consciência.
Anthony-Gadd
Mas como é fácil pensar de outra maneira! Imediatamente após os atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos, as perguntas que todos faziam eram: "Por que eles fizeram isso com a gente?" e "O que nós fizemos para eles?"

Se há de fato um único campo de energia que conecta tudo em nosso mundo, e se a Matrix Divina funciona da maneira que a evidência sugere, então não pode haver eles e nós, somente nós.

Estamos todos conectados no que pode ser a forma mais íntima que se possa imaginar: através do campo da consciência que é a incubadora de nossa realidade.

Juntos, podemos criar a cura ou o sofrimento, a paz ou a guerra. Isso pode muito bem ser a implicação mais difícil que a nova ciência está nos mostrando. E isso também pode ser a fonte maior de nossa cura e sobrevivência.

O trabalho de Neville recorda-nos que talvez o maior erro em nossa visão de mundo é olhar para as razões externas dos altos e baixos da vida. 


Embora existam certamente causas e efeitos que podem levar aos acontecimentos de todos os dias, eles parecem se originar em um tempo e lugar que aparecem completamente desconectados do momento.

Neville compartilha o ponto crucial do maior mistério a respeito de nossa relação com o mundo que nos rodeia: "A principal ilusão do homem é sua convicção de que existem causas que não o seu estado de consciência".



Mas o que isso significa? Essa é a questão prática que surge naturalmente quando falamos sobre a vida em um universo participativo.

Ao indagarmos quanta energia nós realmente precisamos para a mudança em nossas vidas e em nosso mundo, a resposta é simples:

Esse recurso nos está disponível através da maneira com que usamos o poder da consciência, e onde escolhemos colocar nosso foco. Em seu livro O Poder da Consciência, Neville oferece exemplos de casos que ilustram clara e precisamente como isso funciona.

Uma de suas histórias mais comoventes permaneceu comigo durante anos. Trata-se de um homem de 20 anos que tinha sido diagnosticado com uma doença cardíaca rara que os médicos acreditavam ser fatal. Casado e com dois filhos pequenos, ele era amado por todos que o conheciam.

Quando pediram a Neville que falasse com ele, o homem tinha perdido muito peso e encolheu para quase um esqueleto. Estava tão fraco que até mesmo a conversa foi difícil. Ele concordou em simplesmente ouvir e mostrar sua compreensão enquanto Neville compartilhava com ele o poder de suas crenças.

Do ponto de vista da nossa participação em um universo dinâmico e evolutivo, pode haver apenas uma solução para qualquer problema: a mudança de atitude e de consciência.

Com isto em mente, Neville pediu ao homem que sentisse como se sua cura já tivesse ocorrido.

(Como o poeta William Blake sugeriu, há uma linha muito tênue entre imaginação e realidade: "O homem é todo imaginação". Assim como o físico David Bohm, Blake propõe que este mundo seja uma projeção de eventos em um reino mais profundo da realidade. Através do poder de concentração nas coisas que criamos em nossa imaginação, damos-lhes a cutucada que ultrapassa a barreira do irreal para o real.)

Neville explica como ajudou seu novo amigo a transformar a maneira de pensar: 


"Eu sugeri que, em imaginação, ele visse o espanto do médico ao encontrá-lo recuperado, contrário a toda a razão, a partir dos últimos estágios de uma doença incurável. E que ele visse o médico o examinando e que o ouvisse repetir : ‘É um milagre, é um milagre’. Bem – disse Neville -, você pode adivinhar a razão pela qual eu estou compartilhando esta história: o sujeito se recuperou."

Meses depois, o visionário recebeu uma carta informando que o jovem tinha apresentado recuperação verdadeiramente milagrosa.

Mais tarde voltaram a se encontrar. Neville descobriu que ele estava em perfeita saúde, aproveitando a família e a vida.

O segredo - o homem revelou - foi que, ao invés de simplesmente desejar a recuperação, ele tinha vivido a partir da "hipótese de já estar bem e curado".

E aqui encontramos o segredo para impulsionar os desejos do nosso coração, de movê-los do estado de imaginação para a realidade de nossas vidas cotidianas.


Somos capazes de imaginar sonhos realizados, desejos atendidos, orações já respondidas. 

É pelo poder da imaginação que nós compartilhamos ativamente na construção daquilo que Wheeler chamou de nosso universo participativo.