segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Solidão dos Azulejos























Pés nus
sobre o ladrilho frio
No lábio inferior,
sorrisos tremem
e lembram sabores -
todos recentes
Nos seios expostos,
na pele rubra,
a evidência de quem foi,
por uma noite,
violentamente
mulher

Que alguém toque um blues,
bem antigo,
baixinho,
quente como os covis
E que esse blues,
tocado assim,
em notas de perdição,
restaure as volúpias,
recolha as culpas
e as migalhas
do amor que restou aqui

Desejos de sair às ruas,
mulher de Almodóvar,
em batons,
risos,
cores trágicas
e uma dor senil
Sair assim,
sob chuva fina,
por ruas desertas,
por silêncios
e descasos
Sorrir como a alma
vermelha
da flor que morre no peitoril

Ah, cidade de céus atuais!
Cidade-instante,
anacronias,
quimeras,
horas que luzem nos cristais,
e pêndulos
Homem assim distante
nem mesmo existe,
porque é homem de outro lugar,
de outro tempo
e amores

Por isso,
ou por vício,
recebe-me,
metrópole descabelada,
orquestra de ilusões ensaiadas,
desarmonia perfeita,
instrumentos,
dissonâncias
e músicos que deixam a barba por fazer

Recebe-me sem honras,
minha pobre,
dura
e áspera
sinfônica de metais

domingo, 13 de dezembro de 2015

A cidade está tomada - Venham homens e animais


 Pedestres first!
Porque é do homem a poesia,
é a cidade dos homens

Depois vêm os patos,
gansos,
capivaras,
e só então
toda a sorte de cães
(mas só os de nossa laia,
ateus,
cristãos,
góticos
e alguns lobos de má procedência)

O cãozinho,
tão contente,
todo festa,
rabo de ventilador,
herda a primazia
de escolher pra família
água,
comida,
três ossos por dia
e até cobertor

Os gatos pardos,
mas só à noite,
podem escoltar andorinhas,
provocar flores carnívoras
e seus gineceus
Porque, nos dias pares,
de dois em dois,
devem acossar insetos,
provocar revoadas
e assoviar cigarras de cor
(Como prova de boa conduta,
se caírem frutos
sobre os ciclistas,
convém seguir o comboio do pólen
e recitar vendavais)

Por aqui venham os ratos,
ratazanas,
camundongos,
roedores de todo naipe
e natureza
Arrastem todas essas vestes,
suas preces,
sua peste medieval
Enfiem-se em todas as frestas,
em gretas,
sarjetas
e no porão
Depois acordem Nossa Senhora
e aquele menino
do letreiro de neon
Chamem
os músicos,
toda gente grande,
um russo,
os cavalinhos do carrossel
e as putas de Angakolan

A cidade está tomada
Abram as fronteiras,
as torneiras,
e um coração de general
Bem-vindos os bárbaros
os bravos,
os brados:
“Sem leis, sem reis
sem todos vocês!”

Sem paletó nesta festa,
sem talher nesta mesa
Temos pizza,
peixe,
queijo Chateaubriand,
três dúzias de champanhe
um Engov à noite,
outro pela manhã