segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Solidão dos Azulejos























Pés nus
sobre o ladrilho frio
No lábio inferior,
sorrisos tremem
e lembram sabores -
todos recentes
Nos seios expostos,
na pele rubra,
a evidência de quem foi,
por uma noite,
violentamente
mulher

Que alguém toque um blues,
bem antigo,
baixinho,
quente como os covis
E que esse blues,
tocado assim,
em notas de perdição,
restaure as volúpias,
recolha as culpas
e as migalhas
do amor que restou aqui

Desejos de sair às ruas,
mulher de Almodóvar,
em batons,
risos,
cores trágicas
e uma dor senil
Sair assim,
sob chuva fina,
por ruas desertas,
por silêncios
e descasos
Sorrir como a alma
vermelha
da flor que morre no peitoril

Ah, cidade de céus atuais!
Cidade-instante,
anacronias,
quimeras,
horas que luzem nos cristais,
e pêndulos
Homem assim distante
nem mesmo existe,
porque é homem de outro lugar,
de outro tempo
e amores

Por isso,
ou por vício,
recebe-me,
metrópole descabelada,
orquestra de ilusões ensaiadas,
desarmonia perfeita,
instrumentos,
dissonâncias
e músicos que deixam a barba por fazer

Recebe-me sem honras,
minha pobre,
dura
e áspera
sinfônica de metais