sábado, 17 de dezembro de 2016

Bugalhos e Catraca de Alcatrão



Briga de foice no escuro
e você a ver navios?
Se o copo tá meio cheio
pra mim é copo vazio
Em briga de cachorro grande
vai-se logo o meu pavio

Se sou plebeu entre reis
 eu sou caolho entre cegos
Pra fazer essa tachinha
só chupando muito prego

Já comprei gato por lebre
eu já pisei no penico
Só falta chutar o balde
e a barraca num só bico

Agora é que são elas,
nessa rosa tem espinho
Onde você foi
amarrar o seu burrinho?
Bebeu daquela água
que não bebe o passarinho?

Além de secar gelo
e ensacar tanta fumaça,
pirou na batatinha,
oh grande mala sem alça?
O que terá o cu
a ver com suas calças?

Quando a porca torce o rabo
perde o fio do novelo
Primeiro salta do barco
depois deita o cabelo
Ontem João-sem-braço, 
hoje dor de cotovelo?

Se você confunde alhos
com conhaque de alcatrão
e bugalhos
com catraca de canhão,
não venha você agora
com essa prosa furada,
minha boca tá cansada
conversa com a minha mão

(Você já é grandinho
já sabe bem que o que faz,
mas por que essa mania
de levar tudo por trás?)



segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O Universo é Deus Pensando




Galileu vê a Terra
em movimento,
rompe fronteiras do tempo,
encontra Nicolau no bar

Tem ciência,
geometria,
tem vinho,
tem pão,
argumento,
tem motivo pra pensar

Nicolau e Galileu,
depois de comer,
beber,
arrotar,
pra fugir do pagamento
aceleram seus jumentos,
são pegos pelo radar

Dois cristãos truculentos,
seguindo seus juramentos
de viver para pregar,
disparam tabefe,
sermão,
água benta
e os levam pra interrogar

Dois cientistas,
um tormento,
mãos cruzadas no peito
como prontos pra rezar

Nicolau e Galileu,
de olho no bafômetro
na hora de confessar,
afrontam o firmamento
fronteira fixa no ar:

- Pra unir num só lamento
um grito,
unguento,
rosa dos ventos
e poeira estelar,
dirijo meus pensamentos
ao Deus deste momento
ao Deus de todo lugar
O universo é Deus pensando,
Deus é ação em pensamento,
Deus não age no altar

Deus ação e desencanto
já não teme ouvir o pranto
desta Terra nave-irmã
Órbita nossa
inacabada,
bandeira quadriculada
de nossa alma pagã

Deus criador de eclipses,
gira astros,
brande sóis
e galáxias,
e lá no jardim das acácias
acende estrelas anãs

Deus é origem,
é destruição
Deus joga pragas,
águas,
mágoas,
meteoros
sobre a boa e grata
civilização
O universo é Deus pensando,
pensamento é Deus agindo,
Deus movimento e ação

Deus não é um poste
torto,
pichado,
na Rua da Liberdade
Deus não está parado,
exposto,
crucificado
nas igrejas da cidade

Nem tente cair de joelhos
ou do salto
em sua calça de tergal
Porque apesar da vertigem
Deus escapou da Virgem
Ah, divino carnaval!

Deus é festa,
paz,
pecado
e regozijo
Deus é virtude,
é vício,
é crime,
é castigo
Deus é bem,
Deus é mal,
Deus sempre pensa contigo
no espaço sideral

Por isso,
eu, você e Nicolau,
por isso,
eu, você e Galileu,
 tolos em busca de nexo,
não somos mais que reflexo
do pensamento de Deus

domingo, 11 de dezembro de 2016

As Bonitinhas do Burguês


Carlos Schwabe (A Faun)

Minhas ideias
não são à prova de bala
Não atire!
Minhas ideias
não são
fonte de juventude
nem são
promessa de eternidade
Minhas ideias
adolescem,
convalescem,
envelhecem
lá na maternidade
(Falta fazer uma visita)

Minhas ideias tem
cinquenta e um
tons de luz
(enganei você)
Minhas ideias tem
quarenta e nove
tons de sombra
(Dois tons a mais,
bem feita a conta,
garante a paz
no meu faz-de-conta)

Minhas ideias,
às vezes,
quase sucumbem de vez
Minhas ideias
perderam o senso,
perderam o sono,
pagaram o mico
e a conta de todo mês
Minhas ideias
todas elas,
toleráveis,
impenetráveis celas
bonitinhas de burguês

Minhas ideias
quase sempre
presas na roda viva,
forjadas na aridez,
passaram buraco,
passaram roupa e trabalho
por fim passaram a vez

Mas ideias
renascidas
esquecidas de clichês
vão abrigar os olhos
de serpentes coloridas
colhidas na lucidez

Minhas ideias
hoje libertas
encontram sátiros,
Fauno,
Baco,
tem pacto de embriaguez
Prometem néctar,
ambrosia,
fantasia
e um carneiro montês

Minhas ideias
não eram minhas
Minhas ideias
eles criaram,
enfiaram,
na cabeça bem aqui
Então recolhi lembrança,
pensamento de criança,
de novo revivido
ressuscitei e parti

Agora,
por onde quer que eu ande,
naquele caminho grande
do Oiapoque ao Chui,
insiste, lateja o sangue
nascido lá no Rio Grande
nas veias deste guri