O iraniano-canadense Hossein Derakhshan, ativista da
internet, foi preso em 2008 por causa de opiniões e denúncias divulgadas em seu
blog pessoal.
Em 2014, ao ser libertado
da prisão de Evin, no Irã, o blogueiro surpreendeu-se não apenas com a moderna
Teerã, mas também com os rumos que a internet havia tomado.
O longo depoimento de Derakshan - que pode ser lido em HTTP://hoder.com
(em inglês) – ilustra o impacto causado na web pelas redes sociais.
Batalha dos
Desengonçados inspira-se naquele depoimento para corroborar e ampliar a análise
ali expressa.
Todos aqueles lugares desconhecidos
Nos primórdios, navegar pela internet representava uma
aventura. Textos traziam uma infinidade de hiperlinks que relacionavam sites e
blogs e guiavam-nos por caminhos inesperados.
A internet de então se
assemelhava muito mais ao conceito de rede que a define. Hiperlinks constituíam
os nós que permitiam viajar pelas malhas dessa rede.
As associações geradas pelos hiperlinks promoviam a
diversificação de conceitos e opiniões. A internet parecia cumprir a função
democrática que se vislumbrava em suas origens.
Todas aquelas conexões aleatórias funcionavam como estímulo
mental. A web surgia como vacina contra a limitação de ideias e antídoto contra
o preconceito.
Os hiperlinks não desapareceram, mas definham sob a preponderância de links internos que nos mantém em círculos dentro do mesmo site.
O Facebook não é amigável a links externos. Ele prefere que nossa viagem não atravesse fronteiras, que se mantenha dentro dos limites seguros da rede social.
Derakhshan observa que, se aquele depoimento fosse escrito diretamente na janela de postagens do Facebook, a quantidade de visualizações seria bem maior do que as obtidas pelo link com chamada para o depoimento em seu blog.
O Fim da Aventura na Internet
As redes sociais chegaram para acabar com a aventura da
internet. A viagem agora é oferecida em pacotes. Não há surpresas, percalços ou
insegurança na jornada. Você sempre sabe o destino e confia na programação.
Derakshan desencanta-se com a rede ao perceber que a palavra
escrita desaparece. Não há mais espaço para textos longos porque vídeos,
imagens e legendas tomaram seu lugar. As redes sociais transformaram a internet
em TV.
Mas não é apenas pelo predomínio da imagem que o Facebook –
exemplo mais flagrante – promove a perversa conversão de mídias.
Basta-nos rolar nosso feed de notícias para ver o que o
Facebook tem a oferecer: alguns vídeos do youtube, frases de autoajuda,
aconselhamentos, duas ou três manchetes de seu jornal favorito, ostentação de
bens, exposição de (duvidosos) prazeres e alegrias.
Rolamos nossa telinha exatamente como fazemos ao usar o
controle remoto. O que tem na TV hoje? O que o Facebook me oferece para
assistir?
A TV Facebook limita a internet. Admitimos nosso retorno à condição
de espectadores passivos e engolimos nossa porção diária recomendada por administradores
e algoritmos.
Bolhas de Informação
A expressão não é nova – o Facebook cria bolhas de informação. Com base em seu
perfil, em seus cliques, curtidas e compartilhamentos, o Facebook decide o que
você vai assistir. Somos catalogados em caixotes herméticos e alimentados com
mais do mesmo.
Por recebermos apenas conteúdo sob medida, tendemos ao confinamento
e a radicalização de conceitos. Se acessamos apenas a postagens que legitimam
nossas ideias, sem contrapontos, sem opinião contrária, assumiremos nossas
certezas e perderemos a chance de aventar outras verdades.
Discussões de Facebook
Vendeu-se o peixe de que as redes sociais democratizaram a
internet. Afinal, agora todos podem criar conteúdo, opiniões públicas deixaram
de ser privilégio de jornalistas e famosos, a interação virtual derrubou
fronteiras de comunicação.
Mas que tipo de democracia teremos se o filtro de postagens nos
obrigar a receber apenas as notícias e opiniões de uma parcela da imprensa
online?
Não é por outro motivo que as discussões se acirram no
Facebook. Dois lados que acessam conteúdos de teor oposto (e apenas esses)
jamais chegarão a um consenso. Tal comportamento torna-se muito evidente no
atual cenário político brasileiro.
Exemplos Fresquinhos
Se tomarmos como exemplo o prato do dia, será fácil
perceber o inevitável resultado dessa filtragem individualizada na opinião dos
internautas.
As duas listas abaixo dizem respeito à condução coercitiva
de Lula à PF.
Como exercício de imaginação, suponhamos que um usuário do Facebook tenha recebido apenas a Lista A,
e que outro apenas a B.
Lista A
“’Situação
de Lula deve ser tratada como questão de polícia’, diz Aécio.”
“’Aécio diz
que caso de Lula será resolvido nos tribunais’ – ‘Essa questão não vai ser
resolvida no braço nem nas ruas, será resolvida nos tribunais’.”
“Em pronunciamento, Dilma sai em defesa própria e deixa Lula
em segundo plano.”
“Juiz menciona ‘possível
envolvimento criminoso’ de Lula - Sergio Moro justifica porque ordenou busca e
apreensão contra o ex-presidente.”
“A notícia da condução
coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi motivo de manifestações
nas ruas e prédios de Belo Horizonte durante o Jornal Nacional. Desta vez, os
sons de panelas batendo deu lugar a aplausos, gritos e assobios de comemoração.
Nas principais vias do Centro da capital ocorreram buzinaços e foi possível
escutar até os estrondos de fogos de artifícios.”
“Carreata em Curitiba
declara apoio à LavaJato.”
Lista B
“O golpe
avança – PF conduz Lula para depoimento”
"A operação da Polícia Federal na manhã desta sexta-feira, 04, em
articulação com a Rede Globo, coloca em xeque o Estado Democrático de
Direito. Sem qualquer prova ou indício concreto que possa justificar o
mandado de condução coercitiva contra o ex-presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva, a Operação Lava Jato ultrapassou todos os limites
da legalidade."
Carta Capital - http://www.cartacapital.com.br
‘”Há um golpe de Estado em curso’ - Ex-presidente
da OAB do Rio vê na Lava Jato uma ‘ação orquestrada’ para derrubar o governo e
inviabilizar Lula em 2018.”
“Só se conduz
coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado” - Ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello à jornalista Mônica
Bergamo.
“’O secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas
(Unasul), Ernesto Samper, afirmou nesta sexta-feira (4) que o ex-presidente
Lula sofreu um ‘linchamento midiático’; ‘Minha solidariedade pessoal ao
ex-presidente Lula, submetido a um linchamento midiático que afeta seu direito
à presunção de inocência’, declarou Samper.”
“Procurador
diz que não houve pedido de prisão para Lula, instituto divulga nota: ‘é uma
agressão ao Estado de Direito’.”
Onde você leu isso?
Alguma possibilidade de consenso entre o portador da Lista A
e o da Lista B? Bastante improvável. Por prudência e bom senso, que
se leiam as duas. E outras se possível.
Lavagem Cerebral
Ao recebermos informações em uma bolha apropriada aos nossos
gostos e juízos, certezas se mantêm estáticas e opiniões se cristalizam.
Esquecemos que nossos gostos e juízos se originam nos gostos
e juízos da mídia.
Propaganda Dirigida
Se você, minha linda, curtiu aqueles sapatos, eles vão
persegui-la pelos quatro cantos do seu monitor. Não resista, você sabe que vai acabar sacando o
cartão de crédito.
Pesquise sobre a Champs Elysees e o Louvre - a Air France vai oferecer
passagens em 10 vezes sem juros. Allons à Paris, chéri?
Procura o par ideal? Vai ter chuva de homens sarados,
mulheres sexy, o mundo é uma festa, aleluia.
Curtiu o Batalha? Lá vem os desengonçados, aos tropeções.
Liberdade de Pensamento, cara pálida?
Permitimos que os meios de comunicação dirijam nossos
pensamentos porque nossos pensamentos nasceram lá, nos mesmos meios de
comunicação.
Liberdade de
pensamento é um conceito ilusório. Não, não temos liberdade para pensar.
Nosso pensamento está condicionado ao que nos ensinaram, ao que nos
doutrinaram, ao que nos repetiram anos a fio desde a primeira dentição.
Pingando nos mesmos gatos
O advento da internet foi uma breve chama de diversidade. O monopólio da informação estendeu seus tentáculos e alcançou nossos oito neurônios passivos. A chama se oprime, estrebucha e se apaga. Desista da aventura. O caminho agora é um só.
Porque, no mundo, meia dúzia de empresas dominam o mercado da comunicação.
São esses gatos pingados que decidem o que vamos ver, ler e ouvir. São esses
poderosos gatos pingados que dirigem nossas opiniões. São esses gatos pingados que decidem quem será exposto ou poupado, o que mostrar ou esconder e, agora, a quem mostrar ou não.
Assim, como você percebeu, caro Derakhshan, se nossos pensamentos nasceram na mídia, agora, com o Facebook e afins, eles deram um jeitinho de deixa-los lá, bem onde foram enfiados.