sábado, 12 de outubro de 2013

Vamos conversar sobre Deus?


Esta vai ser fácil de escrever. A tarefa é simples: explicar o Inexplicável, sondar o Insondável. Mas é preciso começar.

Comecemos. Para alguns hindus, o Universo é Deus pensando. Nossos irmãos do Oriente não dizem que o Universo é o pensamento de Deus. Porque, para eles, Deus não é estado. É ação.

Como pode ser substantivo Aquele que no princípio era o Verbo?

- Mas que porra de verbo é esse que todo mundo fala?

E não está ali, cara pálida, às margens do Nilo? Deus não pode ser entendido como algo estático. Ok, Deus não pode ser entendido, mas é possível assimilá-lo um pouco. Deus, movimento e expansão. Nós, homens, cachorros e unhas, crescemos todos juntos com Ele.

- Ah, você está facilitando as coisas...

Dizem que...

- Quem diz?

Eles. Os cientistas. Com bastante parcimônia dá para usar alguns daqueles conceitos. Pois não é que eles criaram a imagem de um Universo Virtual? 

Na reprodução, em uma infinita malha, galáxias interagem por intermédio de longos feixes esbranquiçados. Esses feixes cruzam toda a matéria escura que mantém as galáxias unidas.
A matéria que você conhece, que está acostumado a tocar (sua escrivaninha, sua vizinha, seu livro de cabeceira) representa  apenas um sexto do Universo. O resto é matéria escura, mas que ninguém – nem eles – tem a mínima ideia do que seja.

- Só você, né?

Saber, eu não sei, mas tenho uma proposta a fazer.

- Aí vem.

Terei primeiro que me desculpar por citar o verme de Spinoza.

- O espaço é seu. Escreva o que lhe der na telha.

Spinoza dizia que um verme habitando nossas veias não veria o sangue. O verme é cego? Não. O verme seria cego se pudesse ver o sangue, porque assim não veria nada além disso, nem glóbulos brancos, nem vermelhos, nem plaquetas. O mundo do verme seria apenas a imensidão vermelha.

Se nós, vermes do Universo, pudéssemos ver a matéria escura, seríamos cegos para todo o resto, uma vez que ela nada mais é do que aquilo que normalmente chamamos de espaço. É esse espaço que circunda e une toda a matéria tátil, as galáxias, as formigas, nós dois, a Lady Gaga.

- Aí você já está exagerando.

Você ainda não viu nada.  Imagine o Universo como uma esponja. Uma esponja daquelas de banho, com espaços vazios, só que com mais e maiores espaços vazios.
O espaço vazio da esponja representa a matéria escura, a parte que não podemos ver, mas que está ali, é imprescindível para que a esponja seja uma esponja e você possa esfregar o pescoço.
A parte visível da esponja, toda interligada por filamentos sintéticos, representa as galáxias e suas conexões.

- Até aqui, eu cheguei.

Então, eis minha proposta. Tudo isso que até agora nós chamamos de esponja...

- Que você chamou de esponja.

Essa esponja infinita que se expande, esse conceito quase compreensível, é o próprio cérebro de Deus, Sua massa cinzenta. O Verbo, que se faz visível.

- ...

Se o cérebro de Deus é composto de matéria escura, as Galáxias são Seus neurônios, e todos aqueles feixes esbranquiçados pelos quais se comunicam, as Sinapses Divinas. Em constante interação, algumas galáxia se chocam para se fundir em uma só, outras se afastam, outras nascem, o Todo cresce.

- E nós? Onde que nós ficamos nisso tudo?

Você acha mesmo que nós temos alguma importância? Qual sua idade?

- Cinquenta.

Parece menos, mas o que representam cinquenta anos, o que representam quinhentos, cinco mil, um milhão de anos? Menos do que um piscar de olhos para o Universo que tem doze bilhões.

- Assim você me deprime.

Pode-se piorar um pouco. Se, no tempo, somos miseravelmente insignificantes, imagine no espaço infinito que se expande?

- Tem uma corda aí?

Mas não é aí que está o bom da coisa toda? Nossas insignificâncias unidas pela matéria escura dos pensares de Deus, desde sempre, para todo o sempre, não como eterno retorno, mas como eterna expansão divina.

- E que vantagem eu levo nessa?

Nenhuma, se você pensar em Deus como meio, embora seja assim que costumamos pensar.  Deus, um meio para atingir meus objetivos, para ser feliz, para ganhar na mega-sena.

Deus não pode ser meio, mas objetivo, alvo, final. Não peça a Ele a satisfação de suas vontades, Deus não existe para servi-lo. Se dependermos das ações de Deus para acreditar n’Ele, o melhor a fazer, desde já, é nos assumirmos ateus.

Se aceitarmos Deus como objetivo, então nossas próprias ações nos levarão a Ele. Bastará dançar no ritmo do Universo, nesta dança cósmica, nos embalos da Onisciência.

Se Deus é expansão e nós nos mantivermos estagnados, abraçados nesta matéria visível, estaremos remando contra a maré.  Mas se usarmos nossa capacidade de integração, não apenas uns com os outros, mas com tudo o mais que existe, visível ou não, estaremos aptos a entrar na sintonia dos pensamentos d’Ele.

O segredo está em percorrer as espirais dessas nebulosas. Cedo ou tarde encontraremos aquele perdido caminho das almas. Assim o homem, minúscula partícula de Deus, deixará sua insignificância para se sentir grande como as galáxias, divino como as estrelas, matéria do Pensamento Maior, aliado da Vontade.

- Bonito isso, né? Será que seguindo esse caminho de almas e nebulosas que une o Faustão, as formigas e a humanidade, eu vou encontrar a Lady Gaga? 

Sim, É inevitável.


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Além dos Muros da Prisão


"Vejo pouca diferença entre o mundo interno das prisões e o mundo exterior. Um milhão de muros não podem nos proteger, porque os perigos reais - o militarismo, a cobiça, a desigualdade econômica, o fascismo, a brutalidade policial - são encontrados fora, não dentro, dos muros da prisão."

Philip Berrigan

A Quem Pertence Isso Tudo?

Foto - Blog do Sereno

"O primeiro homem que, depois de ter fechado um pedaço de terra, pensou em dizer 'Isso é meu' e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.

Quantos crimes, guerras, assassinatos, quanta miséria e horror a raça humana teria poupado se alguém tivesse arrancado as estacas e preenchido o buraco para gritar aos seus companheiros: 'Acautelai-vos de escutar esse impostor. Você estará perdido se esquecer que os frutos da Terra pertencem a todos e que a própria Terra não pertence a ninguém!'"

Jean-Jacques Rousseau

Geringonças Visíveis


O visível é o meio
que o invisível usa
que a inconsciência busca
para se
manifestar

Agora querem nos convencer de que somos apenas máquinas biológicas. Não mais do que um amontoado de moléculas e estupidez.

Na voz dos cientistas (e outros desatentos), este corpo do qual sou habitante é meu hardware.  Afirmam que, para comandar o humor deste emaranhado de carne, osso e nervos, dependemos da matemática dos elementos químicos.

Segundo aqueles sujeitos, se meu cérebro (disco rígido desta geringonça visível) estiver faminto por serotonina, não realizará suas sinapses de acordo com o programado. Ele me dirá para me esconder sob quatro cobertores, e só sair em caso de novo dilúvio.

Mas quando o hard disk for saciado, ele me fará pular todos os carnavais de Recife e Salvador. Na Quarta Feira de Cinzas me levará para Ibiza, na quinta para o hospital.

Esses materialistas de microscópio proclamam a verdade naquilo que podem ver, pensam que está no visível a causa da angústia, da alegria, do medo, do barulho no motor.

Mas, se entrarmos em guerra contra os cientistas levando lógica e matemática como armamento, a derrota tende a ser vergonhosa.

Como então convencê-los que é no visível que o invisível pode ter nariz, bocas, orelhas de abano, e outras coisas de sentir e aprender?

Não com prosa, por certo. Que tal com cantigas?

(Dica aos cientistas: quanto mais rápido conseguir ler, mais rápido vai compreender.)

O Carpinteiro Hipotético
Que do corpo quis apetrecho
Pra esculpir no quê se vê,
Pra esculpir no quê se vê
Já vai fazer entender
Que entender o invisível
Somente será possível
Se você desentender

A cantilena da alma,
Que pra depressa aprender recita
Pra esculpir no quê se vê,
Pra esculpir no quê se vê
Vai te trazer a calma
Porque esta chama, maldita,
Talha, estala, crepita
Bem dita te faz arder
Pra esculpir no quê se vê,
Pra esculpir no quê se vê

Se aos esses dessas espinhas
Não sucedem desassossegos
É só sentir sonhar sorver
É só sentir sonhar sorver
Só aceite o Ser sensível
Sutililizar o visível,
Seu cientista sem saber
É só sentir sonhar sorver
É só sentir sonhar sorver



quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Andantes




Se é você quem rasura
Palavras de corpo inteiro
Se é você quem procura
Cigarras no formigueiro
Venha ser escudeiro
De um homem e uma ternura
Ou seja de vez cavaleiro
Aquele, da triste figura

O Passado em Sombras



Seguindo os destinos da sombra
nestas ruas sem saída, 
passado e homem se encontram
para refazer a vida 
 A alma, de malas prontas,
tem por nome Urgência:
“Se já acertaram as contas,
que tal tomar providências?”

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Valentim se despede de Deus

Picture by Richard Baxter

O lampião de gás estilhaça a janela.


O lúmen da desesperança fulgura na noite e expulsa os santos imaginários de Valentim.

Lampião.

Um palmo de amebas.

Em chamas.


Na grama.

No duro chão.

Valentim nem diz amém. Ergue-se e esfrega, esfrega, esfrega os joelhos. Grama rala. Pouca chuva nestas primeiras noites de verão.

Culpa de São Pedro?

Dos santos?

Que São.

Que sejam.


Essa foi a última vez de joelhos.

E de coceira.

Amém.

Que sejam assim.

Todos Vocês.



As pequenas mãos, antes crispadas no derradeiro fervor, entregam-se à inércia do entorpecimento.

Os gritos dos adultos, lá dentro da casa, cessaram.

Valentim mergulha no lago fundo de seu coração menino. Desimportante. É tão imenso o mundo.

Animais noturnos, seus sibilares e grunhidos, e coaxares, e aqueles sons deles mesmos.

Pior é o silêncio da mata. Valentim olha para o céu. Por entre os galhos da figueira centenária, estrelas acenam - são crianças, e querem nascer.

Nascer para quê?

Formigamentos na fronte – quanto tempo a fronte amparada pelo áspero do caule?

O vulto do irmão mais velho aparece na janela. Emoldurado pelos caixilhos, sem a vidraça que ele mesmo quebrara, o irmão assiste a ultima insignificância de luz, os restos do lampião que se findam no pátio de terra dura.

Valentim vê o irmão dar as costas à janela e reaparecer no estreito caminho de pedra na lateral da casa.

Uma fresta se abre no coração de Valentim. Por ali uma esperança débil ameaça se infiltrar. Nem todos ignoram a criança que havia se ajoelhado pela última vez.

O irmão vem, abaixa-se sobre os restos do lampião. Com cautela e dois gravetos, ergue o ainda ardente receptáculo de gás. O rosto duro acende-se por dois segundos.

No peito de Valentim, um ínfimo de calor familiar, a promessa de adulta proteção.


Braços como apêndices frouxos ao longo do corpo, Valentim espera.

O irmão larga gravetos e lampião. Ergue-se. Encara Valentim.

Então, num desprezo de movimentos, chuta o que restava da coisa incandescente. Uma risca de chamas crepita num átimo e definha, sem suspiro, lá junto à cerca de bambus.

Valentim vê o irmão mais velho voltar pelo caminho de pedra, vê o irmão desaparecer entre os umbrais da velha porta de madeira.

Em seguida vê a mãe perguntar, irônica e amarga:

- Pensou que dava pra consertar?

- Nada mais tem conserto – responde o irmão.

O mundo de Valentim volta a se reduzir a trevas íntimas. O
 último esguio lapso da esperança serpenteia entre entidades e cacos. As preces morrem nas sombras e os deuses definham um a um. Como o lampião, junto à cerca.

Sem deuses e lampiões, anoitece de vez nos estábulos vazios, anoitece nos mortos arrozais, também no córrego de águas serenas, também no caminho de pitangas, até no buraco do estômago.

E anoitece de vez no que restava das súplicas.

Nenhum mistério, ninguém mais a quem recorrer.

Gente e seus tantos santos para um único Deus.

E Deus não existe.

No negrume, Valentim. No negrume, Valentim, desilusão e alívio.

Ali, no lugar antes pertencente a Javé, a noite se fendeu. Para abrigar as contas de um rosário, os reinos do Pai Nosso, as graças da Virgem e a proteção dos anjos, enfia-se tudo ali, naquela fenda propícia da escuridão.

Na banda mais anoitecida daquelas trevas, exorciza-se o peso da esperança, rasgam-se evangelhos, quebram-se crucifixos e promessas.

Ali, na clareira sob a figueira, morrem aqueles enganos todos clamados por Valentim desde que o ensinaram a rezar.

Nunca mais missas de domingo, nunca mais proteções adultas, nunca mais medos compartilhados.

Porque agora, só no pequeno mundo, ele se bastará.

É só aguentar no osso do peito. Pernas embaixo, no alto uma cabeça - o bastante para caminhar.

Seis anos de idade, olhos lavados e livres, Valentim escolhe a solidão.




Um pouco mais sobre Deus:





domingo, 6 de outubro de 2013

Pequena Tragédia Punk


Terceiro científico,
Prova de OSPB
Eu tirei um cinco
E dediquei a você

O namorado de gravata
E sapato de verniz
Me agradeceu com classe
E um soco no nariz

Cresce cabelo moicano
Menina agora é mulher
Lá se vão mais de dez anos
E você me ainda quer

A história se repete
Mas agora ninguém vê
O marido com as flores
Eu na orquídea do buquê

O início do princípio
Intróito da introdução
Eu só senti o tiro
E aquele gosto de chão

Rua Estampido Seco
Bairro Praça da Sé
No escuro deste beco,
Jaz aqui mais um José

Em madeira de carvalho,
Revestida de veludo,
Descanso em meu armário
De coturno, chifre e tudo

Não tenho prece nem vela
Nem pranto de puxa-saco
Tenho é trinta amigos punks
Pra cuspir neste buraco

Entre caras de enfado
E fotos de Polaroid
Eis-me aqui emoldurado
Só curtindo meu I-pod


Homem Pássaro

- Homem é rascunho de pássaro – disse Manoel
 - Não terminaram de inventar.
Sendo ele o poeta
E sendo eu o vulgar
Pensei que estava certa
Aquela forma de pensar

O tempo passa, a gente muda
Aterrissa em outro lar
Se de Boeing, cogumelo,
Prosa de Carpinejar,
O vôo se ilustra em lótus
Nos céus de assim meditar

Ah, esses tolos se soubessem
Que o segredo é respirar,
Não fariam preces
Pro que está em outro lugar
Tadinhos daqueles pássaros,
Tantas asas pra voar!

Cotidianamente

É um jeito extravagante de fazer poesia
Abrir as páginas da rotina
Escrever o dia a dia