terça-feira, 17 de março de 2015

Eles sempre conseguem o que querem


É verdade que nas manifestações de junho de 2013 eles até deram uma bambeada. Foi um corre-corre atônito no parlamento, nos gabinetes e nas redações.

- O que está acontecendo?

- O que quer essa gente barulhenta?

- De quem estão reclamando?

- De nós?

- Do prefeito?

- Do Felipão?


- Da Xuxa?

- Da moça do café?

O fato é que jornalistas e políticos foram pegos de surpresa por aquele movimento que surgia das ruas.

Ninguém imaginou que um protesto contra o aumento da passagem de ônibus fosse se tornar o estopim de algo novo: a rebelião sem bandeiras, sem partidos, sem patrocinadores.

Uma rebelião sem alvo definido. Uma rebelião contra tudo.

Uma rebelião contra a corrupção generalizada, contra o tipo de atendimento recebido na saúde, no transporte, na segurança pública, na educação, nos bancos e contra tudo o mais que aparecesse.

- E agora? Vai sobrar pra nós!

- Tenho uma ideia: esses baderneiros precisam de um alvo.

- O alvo somos todos nós, estúpido!

- É o que estou dizendo. Tem alvo demais. Precisamos dirigir a mira da manada.

- E quem você propõe que seja o alvo único?

- Você não consegue imaginar?

- O Felipão? A moça do café?

- Claro que não, animal! O alvo tem de ser bem grandão. Assim não tem jeito de errar.

E assim, cordialmente, eles foram se escafedendo da maneira usual. Com uma só pedrada mataram todos os coelhinhos.

Não apenas se safaram da própria picaretagem. Agora, disfarçados de paladinos da moralidade, podiam se deitar na cama da hipocrisia. De quebra, receberam o antes impensável apoio de significativa parte da população.


- Ainda tem gente apontando pra cá. Não acreditam nas notícias da nossa querida imprensa e não estão contentes em espernear contra o Planalto. Insistem nessa mania de procurar pêlo em ovo. E nosso ovo está bem peludo, você sabe...

- Melhor assim.

- Você deve estar bêbado de novo. Como pode ser melhor que vasculhem nossas contas na Suíça e exponham nosso telhadinho de cristal?

- Tonto! Você não vê que conseguimos dividir essa cambada de reclamões? Tava todo mundo junto, não tava?

- Tava.

- Pois então... Agora é cada um gritando prum lado. Você vai ver: em pouco tempo vão gritar uns contra os outros.

- Parece que já estão gritando. É um tal de coxinhas e petralhas pra tudo quanto é lado.

- Tá vendo? Agora eles miram neles mesmos. Até pararam de se preocupar com aquela bobagem de querer água na torneira.

- Mas ainda pode sobrar pra nós...

- Imagina... Qualquer coisa a gente diz que eles estão apenas querendo justificar a corrupção do outro lado. E que estão todos cegos.

- Acho que você tem razão. Lembra quando colocamos o Collor lá? A gente até podia escalar uma galera para dizer umas coisas inteligentes. O Bolsonaro, o Álvaro Dias, o Caiado...

- O FHC...

- O FHC não.

- Por que não?

- Porque eles ainda não esqueceram das merdas que ele fez.

- Você deve estar brincando! Essa gente tem amnésia. Vamos de FHC também.

- Só se o Bonner der uma mãozinha.

O Bonner deu uma mãozona e tudo funcionou como um Rolex. Deram-nos um alvo e começamos a atirar uns contra os outros.

Usaram a mais eficiente das armas de guerra. Dividiram o inimigo. Caímos como patinhos.

Agora, se você quer que as investigações sejam realizadas em todos os níveis, sem favorecimentos, sem notícias plantadas ou escolhidas, sem fatos ocultados, você será imediatamente colocado na posição de zagueiro do PT. Mesmo que você estiver louquinho para fazer um gol contra.

- Você ouviu a gritaria? Hehe!

- Uns querem expulsar a recém-eleita. Nem querem saber de provas.

- Vão adorar o Temer, o Cunha, o Renan...

- Outros pedem pinico ao militares.

- Você dever estar exagerando.

- Não estou. Tem até os que protestam contra o Paulo.

- O Maluf?

- O Freire.

- Ulalá! Então a coisa saiu melhor do que a encomenda.



domingo, 15 de março de 2015

O Misterioso Caso da Geração que Regrediu Dois Anos


Um macaco cai da árvore da evolução e se estatela no asfalto:
- Pra onde vou agora? - pergunta.

- Para trás - responde outro primata - é só seguir a multidão.


Gerações de luta

É frustrante para a espécie humana quando uma geração perpetua os preconceitos dos pais. Mas o que dizer de uma geração que ignora décadas de lutas do passado, dá marcha ré na história e vai buscar os preconceitos dos avós? Aí já é pra lascar com as teorias do Darwin.

Quando os beatniks passaram o bastão da contracultura para os hippies, uma geração se conectou à outra.

Mas os hippies foram além do legado beat. Os hippies herdaram aquele desejo de encontrar a realidade que se escondia por trás de um manto costurado pelo imperialismo. Os hippies mostraram que o manto estava sujo pelas guerras, que a ilusão coletiva se mantinha pela violência do estado e pelos abusos da informação e do capital.
 

Na principal bandeira daquelas gerações, tremulava a palavra LIBERDADE. Ao lado de Paz e Amor, LIBERDADE tornou-se símbolo inseparável dos rebeldes de então.



O que está acontecendo lá fora?


Quando, em junho de 2013, jovens saíram Brasil afora bradando sua insatisfação, imprensa e políticos ficaram atônitos.

Ninguém sabia definir o alvo daquelas manifestações. A verdade é que todos - políticos e imprensa - se envergonhavam. Ou, ao menos, tinham motivos para vergonha.

Foram pegos de calças na mão pelas manifestações que nasciam espontâneas, sem patrocinadores nem bandeira de partido. Quem não se lembra dos gritos de “abaixa a bandeira aí”?



Contra tudo e contra todos

As manifestações se dirigiam aos políticos em geral. Ninguém canonizava ninguém. As manifestações se dirigiam ao atendimento público federal, estadual, nacional, municipal e privado. As manifestações expressavam o que a imprensa não queria expressar: a insatisfação generalizada contra um sistema que usa o cidadão como ferramenta para construir a prisão que o aprisiona.

Eis que, menos de dois anos depois, aqueles mesmos jovens saem às ruas.

Agora não para lutar juntos contra a estrutura viciada, mas para pintar tudo de preto ou de branco, como se algo na vida fosse uma simples escolha entre Sim e Não.

Aqueles mesmos - os que em 2013 protestaram juntos - hoje precisam marcar passeatas para dias diferentes. De uma hora para outra todos se tornaram gladiadores em potencial.




De olhos bem fechados


No fundo, a explicação não é difícil de encontrar. Políticos perplexos escolheram o salve-se quem puder como lema e saíram distribuindo pontapés.

A imprensa, que nunca soube (ou quis) interpretar aquelas manifestações, mirou sua metralhadora em único alvo e orientou olhares inocentes.


Agora, com alvo único, boa parte dos políticos poderia se deitar nas areias do esquecimento e surfar nas ondas da impunidade.

Não é percebida a covardia. Que revolta justa é essa que ignora o óbvio e joga as mazelas do país sobre um único par de ombros?

Onde foi parar aquela súbita consciência coletiva que se acendeu naquele junho de 2013?


O que será que nos fez desaprender tão rápido? Como diria o personagem Joselino, aquele que foi criança pequena lá em Barbacena: "Eu estava indo tão bem..."



Esquecimento instantâneo


Neste mundo frenético, três anos de involução podem equivaler à perda de três gerações. Acabamos de aprender, ops!, já desaprendemos. Nem foi preciso recorrer aos conceitos de vovó.

Os rebeldes de 2013 sabiam que o inimigo estava oculto e que o monstro era bem maior. Tinham a união como força, a manifestação pacífica como arma.

Os rebeldes de hoje estão cegos para o verdadeiro inimigo e miram no rabo do monstro. Têm a agressão verbal como argumento e a intolerância como fraqueza.

Esses rebeldes permitem que lhes digam contra quem devem (e não devem) se rebelar.

E não é que, para desonrar todas as gerações que quebravam grilhões, até mesmo a bandeira LIBERDADE - símbolo maior de todo rebelde que se presa - passou a ser rasgada em praça pública? 

(*Por justiça, deve-se dizer que há sempre uma minoria que vê o óbvio. Aqueles hippies e beatniks também representavam a minoria dos jovens da época. Mas nem por isso deixaram de ficar na história.
)


Jovens Selvagens

Nelson Rodrigues dava um conselho aos mais novos: "Jovens, envelheçam."

Nelson dirigia-se à juventude transgressora dos anos 70. Mandá-los "envelhecer" equivalia a orientá-los para o comodismo, para a aceitação da ordem estabelecida, para a subserviência aos titereiros que movem os cordões da sociedade envelhecida.

Hoje, Nelsons se replicam mundo afora - não em talento, mas em conselhos subliminares dos tiranos que controlam esse show de marionetes. 

Meninos - digo eu -, rejuvenesçam. Não deixem que lhes retirem esse ímpeto, essa gana de transformação. 

Esqueçam conselhos rodriguianos e valham-se de Platão: "De todos os animais selvagens, o homem jovem é o mais difícil de domar".



Desengonços da mesma ordem:
Jovem, quem é você no Jogo do Bicho