sábado, 21 de maio de 2016

Um Bilhão de Maridos serão Substituìdos



No livro Beautiful You, Chuck Palahniuk conta a história de C. Linus Maxwell, criador, fabricante e distribuidor de brinquedos eróticos femininos.

Desenvolvidos a partir dos ensinamentos práticos de Baba Gray-Beard, uma bicentenária feiticeira sexual do Himalaia, os brinquedinhos de Maxwell são tão perfeitos que a popularidade é instantânea.

Imediatamente após o lançamento, enormes filas de mulheres se estendem pelas calçadas das lojas Beautiful You.

Enlouquecidas na descoberta de prazeres nunca antes sentidos, já não interessam as sensações triviais que maridos, namorados, amantes e afins podem oferecer.

Afinal, que homem seria páreo para a Tremulante Serpente do Amor ou a Doce Varinha da Margarida? Que homem poderia superar, principalmente, The Dragonfly, a Libélula?

Isoladas em seus quartos, reféns de  aparelhinhos lascivos e cremes cintilantes, mulheres  em êxtase, exauridas em deleites,  abrem apenas uma fresta da porta para pedir novas baterias.

O slogan da empresa Beautiful You“um bilhão de maridos serão substituídos” – mostra-se profética. Homens descartados perambulam pelas ruas. Outros se desesperam para salvar a sanidade das parceiras de amor.



Melhor do que Amor

Better than Love – é o que se lê na fachada das lojas da Beautiful You. Apenas uma tecnologia assim, melhor do que o amor, capaz de causar um Big Bang sexual, de exacerbar prazeres carnais, poderia alterar o comportamento humano de forma tão radical.

Ops! Será?

A verdade é que a tecnologia já alterou o comportamento do homem civilizado muitas vezes. E muitas vezes mais vai modificá-lo.

Na própria área de C. Linus Maxwell – sexo -, é possível imaginar o que a incipiente realidade virtual terá a oferecer. Os primeiros indícios de nova mudança comportamental já roçam nossos narizes e partes pudendas.



Essas sensações todas

Vamos analisar esses indícios a partir de nossas capacidades sensoriais? 

Som e Imagem - A transmissão e recepção de som e imagem há muito fazem parte de nosso cotidiano. Audição e visão estão, portanto, satisfeitas.

Hologramas - Empresas já realizam reuniões com hologramas de executivos. Sem deixar seus países, engravatados virtuais de Boston, Londres, Madri e Tel Aviv debatem em torno de uma mesa na Alemanha. A visão, depois de satisfeita em duas dimensões, agora se realiza em possibilidades tridimensionais.

Cheiro - Hoje já se diz ser possível transmitir cheiros. Um aparelho decodificador recebe os códigos aromáticos de um transmissor via internet. O olfato se satisfaz.

Tato - Um experimento demonstrou a simulação da sensação de tato. Manuseando um pequeno joystick, um usuário controla um pato de borracha em uma tela. Ele dá um soco e o pobre pato balança, gira e volta à posição inicial. O usuário revela ter sentido o impacto na mão ao esmurrar o bichinho. Quando acaricia o pato, diz sentir a textura da borracha.

Assim, se a tecnologia já consegue satisfazer audição, visão, olfato e tato, o único sentido que se espera ser transmitido é o paladar.




Questão de Gosto

Alguma das implicações sexuais do envio e captação de estímulos e sensações são previsíveis.

Hologramas cada vez mais perfeitos, que falam, perfumam-se e podem ser “tocados”, poderão frequentar, incógnitos, todas as camas do mundo.

As relações amorosas receberão o primeiro impacto. A questão da fidelidade e do ciúme precisará ser repensada.

Exemplo? Por envolver também questões machistas, diga-me se você, homem, não vai repensar para se adaptar a seguinte situação:

Você está assistindo Walking Dead no conforto de sua sala de estar. Sua parceira está no quarto testando aquela nova geringonça de realidade virtual.

Depois de alguns bons minutos, ela sai do quarto.  Você percebe certo desalinho, um rubor nas faces, um andar indolente e aquele conhecido semi-sorriso de satisfação.

Enquanto ela entra na cozinha e vasculha a geladeira, você se aproxima da porta aberta do quarto.

Um brancão de bochechas rosadas e cabelos vermelhos, nu, ergue-se da cama e o encara por dois segundos. Depois mergulha no monitor da engenhoca e vai acender um cigarro lá em Dublim.

O cheiro de cigarro e cerveja invade suas narinas. O sangue ferve de indignação. Aquilo já é demais.

- Amor – você reclama -, holograma irlandês não dá, né? Ou pelo menos desliga essa merda depois de usar.




Memória Insuficiente

Indignações e nacionalidades à parte, alguns consideram esse cenário impossível pela ausência de um único fator.

Sim, você já adivinhou.

A coisa tem cheiro, toque, som e imagem, mas sem paladar? Não vai rolar.

O mais prudente é ignorar esse nem tão distante futuro e perceber no presente o efeito da tecnologia em nossas vidas.

Para citar um caso historicamente recente, a televisão acabou com os diálogos nas salas de estar. A novela recebeu o privilégio da atenção e o papo ficou para o intervalo.

O automóvel já não havia nos usurpado o acesso às ruas? E o telefone celular?

Ah, o celular... Esse merece parágrafos e emoticons.

Ele já havia atingido o status de imprescindível - “Saio sem calcinha, mas não saio sem celu”

Mas smartphones e similares superaram qualquer tecnologia e tornaram-se tão poderosos quanto os brinquedinhos de C. Linux Maxwell.

Neste instante, em qualquer lugar do mundo civilizado em que você estiver, erga os olhos e dê uma espiadinha. Quantos à sua volta mantém os olhos vidrados em suas telinhas, seus dedos hábeis cutucando o minúsculo teclado?

A cena se repete pelos recônditos do planeta. Uma legião de corcundas se desconecta do próprio ambiente e mergulha num oceano de constante ansiedade.

Nessas águas, a vaidade e a necessidade de atenção se apresentam ainda mais turvas do que no mundo real.

Já não é importante viver o momento. É urgente registrar o momento. Esquecemos da vida para armazenar a imagem de recordações inexistentes, esquecemos do presente para preparar um histórico para uso futuro.



Felicidade Social

Antes da salada, foto e compartilhamento.

Antes do Taj Mahal, foto, compartilhamento, souvenires na barraquinha. Se der tempo a gente entra lá.

Declarações de amor? Beijo e sorriso, foto do sorriso e do beijo, compartilhamento, o mundo precisa saber de um amor perfeito.

Brigou com o amigo? Post com mágoa, indiretas, alfinetadas e negação futura. Não, juro que não era pra você.

Família visitando a vovó? Todos sentados na sala, olhos baixos, pequenos retângulos luminosos, risadas solitárias, teclas nervosas, fones de ouvido, já tá na hora de ir? Vovó tira um cochilo em frente à TV.

Jantar romântico? Brinde, beijo, foto, post. Mais umazinha pro Face, meu amor?

Encontrou o papa? Selfie, compartilhamento, pergunte se ele tem whatsapp. Se possível, peça para ele repetir a missa em 140 caracteres.




Nos Porões de Notre Dame

Os motivos de C. Linux Maxwell, especialista em prazer feminino, vão além do puro interesse comercial. Suas razões se mostram bem mais sinistras no decorrer da história (as razões aqui permanecerão secretas, é claro).

Mas a ocultação de secretas razões não nos impede de comparar tecnologias reais e fictícias.

Haste Giratória de Relaxamento ou o Chicote Balançante, doces invenções de Maxwell, levam à exacerbação dos prazeres solitários e ao consequente isolamento.

As tecnologias que são ofertadas em nossa pobre vida real conduzem-nos à anestesia de sentimentos e à ausência de contato com aquele que está mais próximo.

Tendo o olho no olho se tornado raro, a capacidade de empatia apresenta acelerado declínio. Um toque de celular, um bip, ringtones, uma musiquinha - esses alarmes interrompem qualquer beijo, DR, sonho ou pedido de aumento. Eles exigem atenção imediata.

Se ignorados, esses alertas sonoros e luminosos conhecem nosso sentimento de culpa. Vão insistir, dar piti, fazer beicinho e espernear até o fim da bateria.

Adestrados por essas chantagens e reprimendas eletrônicas, cedemos. Corremos para atender o aparelhinho que berra na sala ao lado e assumimos finalmente a supremacia das máquinas sobre as relações humanas. 

Nem é preciso vestir a pele de um ogro antitecnologia para perceber que acabamos por criar a sociedade planetária dos Quasímodos Cibernéticos. Já tem até grupo no Whats.


= = =


- Até que esse papa argentino é gente boa.
- Você mandou ele te seguir no Instagram?
- Sim, mas esqueci de pedir a bênção.
- Foda-se a benção, olha aqui.  Nem acabamos o almoço e já temos cinco mil curtidas. 
- Vamos mitar, brother. Com o Chico, vamos mitar.





Desengonços do mesmo naipe: