quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Paz Pax Pacem Peace


Na minha cidade tinha paralelepípedos



Na minha cidade tinha
paralelepípedos
Tinha paralelepípedos
na minha cidade

Quando a gente andava
de charrete
de bicicleta
de havaianas
de vaga-lume
e até caminhão de lata
não sentia paralelepípedos
Sentia
pa-
ra-
le-
le-
pí-
pe-
dos
Solavancos e
so-lavancos
entrecortavam sílabas
aceleravam as risadas
e guardavam os dias
dos tempos
idos

Na minha cidade tinha
paralelepípedos
Por eles
eu escorregava
em dia de chuva
em fuga
de beijo furtivo
Por eles
eu me desesperava
em busca de tempo
alento
e ônibus perdido

Neles
eu procurava
o reflexo molhado
estampado
por sob os vestidos

Na minha cidade tinha
paralelepípedos
e não esse preto piche de agora
sem caráter
sem humor
sem afeto
sem nada
Não esses casais
sem reflexo
que percorrem
a esteira árida
da madrugada

Na minha cidade tinha
paralelepípedos
Se passasse a baronesa
na praça do coronel,
queriam logo saber se a moça
de fato era feliz
Então assim se abriam
três caminhos de granito 
pras três meninas cuspidoras
presas no chafariz
Porque somente nelas
naquelas meninas sapecas
minha amada Satolep
de barbada supera Paris

Tinha paralelepípedos
na minha cidade
Coitados!
Paralelepípedos nem cabem na poesia
como caber nessa modernidade?





Outros de Satolep:

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Eu estou Errado



Incoerentes por Natureza

Em Satânicos e Visionários, Aldous Huxley diz que coerência é algo que não se pode cobrar do ser humano.

O autor de Admirável Mundo Novo afirma que homem e mulher se caracterizam, essencialmente, por se comportarem de forma incoerente. O que pensam pela manhã não é o que pensam à tarde nem à noite - mas podem voltar a pensar de madrugada.

Unidade de discurso, porém, não se apresenta como alvo inatingível. É bem possível que coerência se expresse de forma razoavelmente perceptível em nossas ideias, conceitos e opiniões.

Na maioria das vezes, com o mínimo de atenção e honestidade, somos capazes de manifestar nossos pensamentos dentro de uma linha condizente com manifestações e pensamentos anteriores.

A porca apenas torce o rabo quando se trata de unir discurso e prática.



Fala, José!

Eu raramente me exprimo na primeira pessoa aqui no blog, mas desta vez é inevitável e vou dizer por quê.

Acontece que, em certos dias de fúria, eu sofro terríveis recaídas e quebro minhas repetidas e não-publicadas promessas de não-publicação.

Ira, entre os pecados capitais, é daqueles que não dá para ignorar. Por isso e
xplico e me confesso agora.



Abra esse coraçãozinho aflito

Muitas vezes, desde a existência do Batalha, eu tomei a decisão de exibir apenas posts de poesia, versos e gracinhas - pequenas ternuras entrecortadas por inocentes considerações antropológicas, transcendentais e afetivas. Sem polêmica, sem enrosco, sem verdades inabaláveis.

Política? Política como se conhece hoje? Never more, querido diário.

No entanto basta uma notícia distorcida, uma opinião não-embasada, uma atmosfera de aparente injustiça, e lá se vão as promessas e as decisões definitivas.

Incoerente como todo homem e toda mulher, eu saco meu revólver de palavras e parto para a ofensiva com a certeza dos imbecis.

Terei salvação? Talvez se eu ouvir aquela vozinha límpida que emerge lá da consciência para dizer coisas assim:

"Meu bom e bem intencionado José, saiba que é justamente quando o impulso se sobrepõe ao razoável que o argumento boicota a causa."


Eu na Primeira Pessoa

Eu estou errado e não há outra maneira de dizer. Não posso usar outra pessoa que não a primeira. Não são os desengonçados que estão errados. Sou eu.

O erro - essa coisa tão humana quanto inadmissível - não reside em minhas convicções. Reside nos meus métodos e no inimigo percebido.

Posso lutar a melhor das guerras e ter mais nobre das intenções. Posso ser determinado e destemido. Mas usando armas erradas jamais vencerei. Investindo contra inimigos errados, derroto a mim mesmo.

É evidente que me refiro a esse interminável pseudo-debate travestido de política que ganhou as redes sociais. É nesse contexto que eu resolvi avaliar minhas nem tão esporádicas intervenções.

Veja, por exemplo, as agradáveis palavras que escolhi para acompanhar uma de minhas postagens no Facebook:


Só falta depois ter que ouvir: “Eu não disse que, depois da Dilma, a gente ia tirar todo mundo? Fora Temer!”
Sentar na janelinha, cara pálida? Agora, depois de assistir os 
outros empurrando o bonde?
Bem, seja vindo ao Fora Temer, mas o trem da história passou faz tempo.


Ignorem-se erros de concordância. Mesmo porque, ali, o erro acabou por dar sentido oposto ao desejado, uma vez que assistir os outros equivale a ajudar os outros.

Portanto, pela interpretação do post, com justiça, poderiam todos se sentar à janelinha.

Gramatiquices à parte, o fato é que não sou fiscal de passagem, tampouco maquinista desse trem. Ora, José, quem és tu - diz aquela vozinha - para direcionar o conforto de bundas de ocasião e o horário de convicções alheias?

Minha bunda e minhas convicções não mudaram - exceto por razões relativas à idade, gravidade, algumas leituras e observações.

Mas o que aquele tipo de postagem pode conseguir? Aliados? Aprovação dos meus pares de ideologias e verdades? Aplausos?

É mais provável que (como erros de concordância) o comentário agressivo acabe por provocar efeito contrário nos desafetos de opinião. A alusão arrogante ou sarcástica a determinado posicionamento tende a arraigar certezas e a adensar as nossas já sólidas fronteiras de intolerância.



Ironia e pernada a três por quatro

Não é a primeira vez que eu escrevo a respeito de nossas intermináveis e violentas discussões.

Não é a primeira vez que eu manifesto dúvida quanto à validade prática dessas discussões. Você já viu alguém mudar publicamente de opinião? Eu não vi meia-duzia.

Mas também não foi uma vez nem duas que eu ignorei o escrito e manifesto, encarnei um Dom Quixote tupiniquim e saí distribuindo pernada e ironia pelas áridas vastidões das linhas de tempo.

Ironia e pernada, veja só... 
Contra o inimigo errado, José? Bem coerente, não?

A verdade é que o verdadeiro inimigo se deleita com nossas rusgas. Ele detestaria se todos gritassem na mesma voz.

Mas - cumprindo uma promessa pré-postagem - do inimigo verdadeiro não falarei aqui. O que não significa que ele foi esquecido.



Mea Culpa

Por que esse mea culpa público e repentino?

Talvez pelo sonho de ser como aquele puxador de aplausos de filme americano. O sujeito que, depois do discurso, começa a bater palmas lenta e espaçadamente, até que a multidão se junte em aplausos efusivos e comoventes.

Admitindo o erro, eu acabaria por provocar - não uma onda de aplausos - mas uma onda de errados acenando com o erro admitido.

- Eu errei na pimenta - diria o anfitrião aos convidados.

- Eu errei na dopamina - diria um homem triste.

- Eu errei no terceiro acorde - diria um trompetista.

E, um a um, todos ergueriam os braços para dizer que erraram. Cada um a seu jeito. Errados, erros aprendidos, se possível perdoados, tentariam todos acertar dessa vez.

Sonhos grandiosos à parte, essa admissão do erro tem origem em um incômodo na consciência.


Vêm da lucidez que se amplia devagar e que permite, finalmente, perceber minha contribuição (ainda que pequena) para uma atmosfera de violência crescente.



Pavor e Cumplicidade

A violência verbal configura-se, por si mesma, um mal – algo que desvirtua aquilo que foi criado para o entendimento.

Mais do que isso, a violência verbal costuma se apresentar como mola propulsora de conflitos físicos, psicológicos e emocionais.

Contribuir, sob qualquer aspecto, para o crescimento da violência é algo que me causa pavor (e é certo que o mesmo acontece aos leitores do Batalha).

Esse pavor, então, é a verdadeira origem deste mea culpa.

Cúmplice da brutalidade? Espero que não mais. Vou insistir no caminho da brandura.

Não importa que outros não admitam (importa, mas a ausência de admissões alheias não deve pautar as minhas).

Não importa a não-realização de sonhos americanos com aplausos iniciados e acompanhados.

Não importa que outros discordem da tática da brandura. (Talvez estejam certos, talvez certa agressividade seja necessária e inevitável. A discussão não é nova e estimula o livre-pensar. Mas, novamente, é preciso não atingir vítimas e eventuais aliados na ilusão de atingir o inimigo.)

O que importa, mesmo, é o aprendizado tantas vezes desaprendido.

Violência gera violência. Não é possível combater o mal com o mal.

É preciso afeto. Ninguém vem para o meu lado por pernada e ironia.



Eu Errado

Estamos (quase) todos no mesmo barco furado, no mesmo mato sem cachorro, cachorros perdidos na mesma procissão.

Exceto por alguns (mais ou menos) identificáveis canalhas, todos nós pensamos lutar pelos objetivos corretos e justos.

Acreditamos que nossas proposições carregam a semente da verdade, a pedra de toque da nossa história, a cura definitiva para a dor da humanidade.

Estamos todos errados?

Não sei.

Mas eu estou.

Eu estou muito errado.



Desengonços sobre o mesmo tema: