sábado, 28 de setembro de 2013

Expectativa


Descabelada, em joelhos vacilantes, ela afrouxa-se dele:
- Eu sabia que ia ser ruim, mas não podia ser pior.

E o beija, para piorar a coisa.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Santa Mania de Contemplá




Photo by Marcos Reis

- Esta é a melhor hora do dia.

- Da noite. Melhor hora da noite.

- Seis horas ainda é dia.

- Pra mim, é noite.

- A melhor hora do dia inteiro, entende?

- A minha melhor hora do dia é amanhã.

- Seu dia teve ter sido péssimo.

- Podia ser melhor.

- Sério? Mesmo com toda a praia, todo o sol, todas aquelas morenas, loiras, lindas...?

- Inacessíveis.

- É.

- Pois é.

E naquele pois é você decidiu não participar das cenas deste final de tarde. Porque resolveu apenas assistir.

E aí está você, na fila do gargarejo, em horário nobre, areias brancas de Maresias sob o sol poente.

Existirá melhor chance para recuperar aquele desusado hábito da contemplação?

Receba o sossego da serra, entenda os brados do mar. Seja cúmplice do espectro inatingível de Alcatrazes, que esvaece.

Silêncio – sussurra a ilha - Silêncio...

Tudo – inclua-se aí você, com suas bermudas –, tudo preenche, sem pressa, cada um desses vazios do dia que se despede.

Antes, o alvorecer, depois o sol a pino. Aqui, agora mesmo, este entardecer enferrujado de adiamentos. Ele veio trocar a cor daquilo que antes se via.

- Uma galinha deitada.

- Uma galinha?

- Deitada. Ali, o Morro de Paúba. Ele não parece uma galinha deitada com o bico esticado pro mar?

Aproveite-se da mescla de união e separação – é dia, é noite -, e veja o sol escorregar pelo segmento de horizonte que une Maresias ao Morro do Trigo.

Lá vem o vermelho-sangue, espalha-se, monopoliza o crepúsculo. Os guarda-sóis retiram-se derrotados sob as axilas do serviço de praia.

O casal, que havia corrido do Canto do Moreira à Barra, volta devagar. Afinal, quem... tem... pressa? (Talvez apenas os que descem o Morro da Galinha Deitada, precavidos da emboscada de borrachudos). 

Agora, que tal um pouco de astúcia? Espie pelas frestas dos coqueiros, investigue duas ou três pegadas na areia, escute atrás das portas da tarde.

Assim, sorrateiro, você entenderá que a tarde já se esgota em artimanhas de adiar. É quase impossível deter o impaciente elenco de estrelas.

Calma, ladies, o privilégio é ainda passarinho, a tarde das gaivotas, a inércia é de planar. Mantenham-se neste silêncio de pêndulo, nestes segundos suspensos, nesta superfície de cristal.

- O que foi isso?

- É apenas o silêncio da serra se estraçalhando na boca da noite.

- Fala, Seu Lélio!

Seu Lélio fala
.
- Tudo bom, Seu Ramalho?

Seu Ramalho está bem.

Três palavras, quatro latinhas e lá vão eles, restauradores de praia, salva-vidas da areia. Levam palitos, baganas, papel e plástico. Levam com eles as mazelas do dia. Levam um entardecer e muita candura.

Só para Desiludidos






A Ilusão mora numa quitinete bucólica, em frente a uma pequena praça onde é sempre outono - geralmente nos arredores de Paris.

Durante as tardes, a Ilusão pinta borboletas africanas numa tela azul, alimenta-se de iguarias finas – quimeras com geleia de pétalas, por exemplo – e banha-se em Dom Pérignon.

A Ilusão é vista, sempre em manhãs de sol, comprando frutas exóticas na feira-livre do lugar.
- Comme ces’t douce la illusion – comentam as senhoras francesas.

Mas nem tudo é verdade e doçura. Depois da feira, a Ilusão volta a dormir em lençóis amarfanhados. Quando acorda já é noite. Tem olheiras, sente frio.
Na boca, cultiva um gosto de cigarro e perdição.

Bebe um café requentado, maquia-se para esperar sempre o mesmo homem, sempre o mesmo homem magro e suspeito.

Na TV preto-e-branco, aquele medo de que ele não venha.

Quando o homem chega é madrugada. Ele fala baixo, é fanho, resfolega. Um inconstante sotaque belga o torna mais suspeito – e até mais magro.

Mais tarde será possível ouvir a música que os delata pelas frestas das venezianas.

Aqueles que a ouviram sabem que é um ritmo subterrâneo e úmido, com os pecados que só alguns ritmos podem ter. 

"Deve ser coisa de estrangeiro" - dizem -, "quem sabe daquela civilização desaparecida no Pacífico".

É breve a presença do homem magro. A porta se fecha, ele desce as escadas do dever cumprido e esgueira-se antes do sol nascer. 
O homem já não é apenas suspeito; é evidentemente culpado. Com um agravante: ele nunca mais voltará os olhos para as janelas da Ilusão.

A Ilusão permanece com o rosto achatado contra a vidraça, mesmo depois que homem desaparece sob a copa das árvores.
O disco dos meninos de Ogah Turan silencia-se como seus ancestrais, no Pacífico.
A Ilusão ajoelha-se sobre o colchão e investiga o vazio pleno e recente entre as pernas exaustas.
Até amanhã, mon cherry?


Os amantes - esses tolos que passam a vida a desafiar os homens prudentes – sempre se exilam naqueles arredores de Paris. Na tabacaria de Ménilmontant e na travessia da Pont Grennelle será possível encontrá-los depois das dez, engendrando dois ou três desavisos.

Os tolos amantes são ávidos pela Ilusão. Que ela os espere com iguarias ou o café de ontem, que ela acene com luvas brancas e ingressos para o Moulin Rouge. Eles estarão sempre prontos para segui-la. 
Jogam a mochila nas costas e enfiam uns trocados no bolso. Nem olham para trás, nem fazem perguntas indiscretas ao Acaso.


Mas é razoável admitir que nem todos os amantes se encontrem em Paris. Muitos foram vistos em Moscou, outros em Porto Príncipe, e até em uma tangueteria em Buenos Aires – e isso deve ser verdade.
Porque - segundo dizem os novos vizinhos - la ilusión se cansó de cometer errores en la vida y llorar la falta de amor. 
Agora prefere celebrar com os desesperançados, fazer de Buenos Aires sua Paris e do tango um Bateau Mouche.

Caríssimos ex-amantes, a Ilusão vos aguarda, à média luz, com a mesa posta para o amor. Corrientes 3-4-8, segundo piso, ascensor.

Adiamentos












Por que o vermelho só é cor se encarnado?
Por que amar só é ardido se temperado?
Por que um rei só é majestade quando calado?
Por que um homem só é um marido depois de casado? 


Este pensamento é contraindicado em cado de suspeita de mente.

Preferência



Pra mim, Abel
Pra você, Caim,
Pra mim, orquídea
Pra você, jasmim,
Pra mim, a Folha
Pra você, Paskim,
Pra mim, Fernanda,
Pra você, Joaquim
Pra mim, panquecas,
Pra você, quindim
Pra mim, São Paulo,
Pra você, Pequim
Pra mim, francês,
Pra você, latim
Pra mim, assado,
Pra você, assim
Pra mim, você,
Pra você, carmim

- O nome de um tecido tosco.
- Chita.
- Tem que ser trissílabo.
- Lã, então.
- Lã?!
- Ah, desculpa. Lã tem cedilha.

Primatas de Gravata


Avisem nos Três Poderes,
a esses bípedes rastejantes,
que é pra voltar pras árvores,
Para ver como era antes

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

VOCÊ É DESENGONÇADO? FAÇA O TESTE



Descubra se você é um desengonçado. Marque um ponto para cada desengonço que se aplicar a você. Confira o seu grau de desengoncice no final do teste.
(  ) Desengonçado é o cara que diz “Deus me livre” na hora de dizer amém. Às vezes despede-se ao chegar.
(  ) O desengonçado não ri em velórios, mas chora em nascimentos. Dizem que se negou a chorar quando nasceu. Riria no próprio velório, mas não pretende morrer.
(  ) O desengonçado é a peça de quebra-cabeça que não se encaixa no Todo.
(  ) O desengonçado á a peça de quebra-cabeças que foge do Todo para se juntar aos inadequáveis.
(  ) O desengonçado foge dos inadequáveis. Geralmente encontrado à beira-mar, essa espécie de desengonçado aparece quando se fecham os guarda-sóis. É ali que ele  descompreende o horizonte e desenrola pardais até o anoitecer. (Conte dois pontos se você marcar este desengonço.)
(  ) O desengonçado se desgarra da procissão. Perto dali sempre tens uns caras praticando diferenças ou  jogando sinuca.
(  ) O desengonçado não sabe jogar sinuca. Mas aplica trigonometria para fazer tabelas e tangentes.
(  ) O desengonçado contempla as estrelas com saudade. De algum lugar daquele infinito ele dever ter vindo. Daqui é que ele não é.

0 a 3 desengonços – Parabéns. Você se encaixa direitinho nesse quebra-cabeça.
4 a 6 desengonços – Vamos jogar uma sinuca?
7 a 9 desengonços – Apto à desenrolar pardais.

Desengonço do Dia






Chegou com sorriso
E marcas de batom
Fingir é preciso
The show must go on

RECEITA


Depressão profunda,
Melancolia?
Uma página de auto-ajuda,
Um livro de poesia

TATOO NA ALMA


Arlindo no Salão de Tatuagens:
- Quero uma tatuagem na alma.
- Tatoo na alma a gente não procede.
- Por que não?
- Tem alma na tatoo. Tatoo na alma tá em falta.
- Quem é que faz então?
- Cara, melhor perguntar no posto Ipiranga. Ou no centro espírita. Se pá, pode pá.
Arlindo vasculha a pochete e encontra caneta.
- Você tem o endereço? - pergunta, pronto para anotar num bilhete de onibus - Do centro, não do posto.

Arlindo no Centro Espírita
- Mas vocês não trabalham com almas, padre?
- Hmm... De certa forma. Mas não com tatuagens. E eu não sou padre.
- Não?
- Pode me chamar de irmão.
- Mas você manda aqui?
- Aqui ninguém manda.
- Meio bagunçado, né? Mas, irmão, e se vocês unissem forças?
- Vocês quem?
- Você e o tatuador. Cada um no seu ofício. Afinal, é um ritual divino.
E não é que aceitaram?

Arlindo em Local Não-Sabido com Companhias Anônimas
(tatuar almas permanece ilegal em algumas províncias)
- O que vai ser, cara?
- Não tenho bem certeza.
- Tu tem que tá com a imagem na mente, enxergar ela na tua epiderme, tá atento?
- Eu tinha pensado num anjo. Uma nuvenzinha... O que vocês acham?
- Nuvenzinha é f... - opinou o tatuador.
- Eu não diria melhor  - concordou o irmão.
- Anjo não?
- Não.
- Não.
- Um atum. Então faz um atum.
- Um atum? Você não pode imortalizar um atum, meu filho.
- Tu e o atum... Pra eternidade. Cara, tu me comove.
- Qual o problema? Um atum. Não o enlatado. O outro, vivo mesmo.
Um silêncio cai sobre eles.
Arlindo fecha os olhos, procura inspiração. Quando volta a falar, a decisão está tomada:
- Um Opala!
- Uma opala. A pedra opala, tá atento?
- O carro. Um Opala Diplomata. Pra chegar lá em grande estilo.
- Chegar onde, cara?
- Lá onde a gente chega com a alma, não é irmão?
- Mas você está vivo, meu filho. Pense em algo belo, sublime. Algo que o eleve como ser infinito que é..
- Hmm... A Britney Spears?
Conciliador de almas e Perpetuador de imagens se entreolham.
- Um anjo, então? - pergunta o primeiro - Com umas nuvenzinhas...
- Eu me amarro em nuvenzinhas - concordou o segundo - Tá atento?

jlvolcan

Mais Selvagem que o Selvagem?

No programa Mundo Selvagem, do canal National Geografic, Richard Rasmussen ajudava Yawnawás a remover pequenos vermes que são comumente encontrados em uma espécie de coco. Os meninos comiam o coco e depositavam os vermes numa folha de árvore. Rasmussen, homem capaz de encarar um bife londrino mal-passado, perguntou:
- Vocês não comem os bichinhos?
Os meninos da floresta balançaram a cabeça. Os adultos também. Não, não comiam.
Rasmussem ergueu o verme entre os dedos e o enfiou boca adentro,
Sob olhares de espanto, explicou que deveriam comer, que era alimento.
- Não, a gente vai só no coco mesmo.
- Podem comer, ó, também tem gosto de coco.
- Assim a gente não come.
- Mas por quê?
- A gente frita primeiro.
O meu espanto foi maior do que o dos Yawnawás. Esse Rasmussem consegue ser mais selvagem que os caras da floresta. Frescura não é com ele.
- Experimenta – insistiu - cru também é gostoso.
Um baixou os olhos, outro matou um mosquito, a maioria tinha algo mais importante para não dizer. Por fim, depois de uma tossidinha, o cacique informou:
- Porque cru dá diarréia.
De professor a aprendiz, Ramussem, agora também pele vermelha, terminou:
-Ah... É bom saber.

Este aroma pontual


No relógio dos perfumes faltam quinze pra hora do jasmim
Que ponteiro lento é esse,
a roçar narinas,
a recitar pétalas,
se é que bem me queres? 
É o movimento anticlockwise da memória
Principia nos incensos da noitinha
Não se finda antes de enternecer

~~~~

(Me dá até um almíscar de entrar nesta blogosfera.)

terça-feira, 24 de setembro de 2013

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