sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Santa Mania de Contemplá




Photo by Marcos Reis

- Esta é a melhor hora do dia.

- Da noite. Melhor hora da noite.

- Seis horas ainda é dia.

- Pra mim, é noite.

- A melhor hora do dia inteiro, entende?

- A minha melhor hora do dia é amanhã.

- Seu dia teve ter sido péssimo.

- Podia ser melhor.

- Sério? Mesmo com toda a praia, todo o sol, todas aquelas morenas, loiras, lindas...?

- Inacessíveis.

- É.

- Pois é.

E naquele pois é você decidiu não participar das cenas deste final de tarde. Porque resolveu apenas assistir.

E aí está você, na fila do gargarejo, em horário nobre, areias brancas de Maresias sob o sol poente.

Existirá melhor chance para recuperar aquele desusado hábito da contemplação?

Receba o sossego da serra, entenda os brados do mar. Seja cúmplice do espectro inatingível de Alcatrazes, que esvaece.

Silêncio – sussurra a ilha - Silêncio...

Tudo – inclua-se aí você, com suas bermudas –, tudo preenche, sem pressa, cada um desses vazios do dia que se despede.

Antes, o alvorecer, depois o sol a pino. Aqui, agora mesmo, este entardecer enferrujado de adiamentos. Ele veio trocar a cor daquilo que antes se via.

- Uma galinha deitada.

- Uma galinha?

- Deitada. Ali, o Morro de Paúba. Ele não parece uma galinha deitada com o bico esticado pro mar?

Aproveite-se da mescla de união e separação – é dia, é noite -, e veja o sol escorregar pelo segmento de horizonte que une Maresias ao Morro do Trigo.

Lá vem o vermelho-sangue, espalha-se, monopoliza o crepúsculo. Os guarda-sóis retiram-se derrotados sob as axilas do serviço de praia.

O casal, que havia corrido do Canto do Moreira à Barra, volta devagar. Afinal, quem... tem... pressa? (Talvez apenas os que descem o Morro da Galinha Deitada, precavidos da emboscada de borrachudos). 

Agora, que tal um pouco de astúcia? Espie pelas frestas dos coqueiros, investigue duas ou três pegadas na areia, escute atrás das portas da tarde.

Assim, sorrateiro, você entenderá que a tarde já se esgota em artimanhas de adiar. É quase impossível deter o impaciente elenco de estrelas.

Calma, ladies, o privilégio é ainda passarinho, a tarde das gaivotas, a inércia é de planar. Mantenham-se neste silêncio de pêndulo, nestes segundos suspensos, nesta superfície de cristal.

- O que foi isso?

- É apenas o silêncio da serra se estraçalhando na boca da noite.

- Fala, Seu Lélio!

Seu Lélio fala
.
- Tudo bom, Seu Ramalho?

Seu Ramalho está bem.

Três palavras, quatro latinhas e lá vão eles, restauradores de praia, salva-vidas da areia. Levam palitos, baganas, papel e plástico. Levam com eles as mazelas do dia. Levam um entardecer e muita candura.

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