quinta-feira, 18 de junho de 2015

É de pequenino que se torce o pepino


Motivo para beber


O escritor, dramaturgo, roteirista, diretor, ator e goleiro Igor León - que ainda encontra tempo para ser meu amigo - defendia a meta de um time chamado Motivo para Beber.

Eu, que bebo até desmotivado, costumo encontrar no Facebook motivos para escrever.

Desta vez, o assunto é velho, mas o motivo é fresquinho. 




Cerveja tanta para pouco gol

Pois foi ali, em batidos assuntos e recentes motivos, que encontrei a oportunidade de voltar a um tema já discutido no blog.

Em um dos meus posts no Facebook, compartilhei uma publicação
que prevê os efeitos da redução da maioridade penal. Seu Marco, um distante amigo, comentou a publicação:
 
"Se os pais não os educarem, eles estarão usando qualquer tipo de droga, inclusive álcool, com ou sem a redução da maioridade penal. Os jovens normais não serão afetados por essa 'redução'. Assassinos, estupradores, menores que atiram e matam só para escutar o estampido do tiro, não são crianças que devem ser protegidas. São criminosos e devem ser afastados do convívio social. Quanto à reeducação, isso já e uma história mais longa."

Eu já respondia ao contraponto de Seu Marco, quando percebi que a resposta tornava-se longa e desproporcional se comparada ao sucinto comentário. Uma dúzia de cerveja para cinco minutos de futebol.

Foi o que me fez pular para cá, para o galho que melhor suporta meus desatinos.

Depois de um período de abstinência, estava ali o motivo para escrever. De quebra, o blog receberá a bem-vinda visita de Seu Marco.


Ah, esses pais desnaturados...

"Se os pais não os educarem..."

De que pais estamos falando?

Daqueles que deixam os filhos nas aulas de balé e francês quando precisam se ausentar?

Daqueles que enviam os filhos para estudar nos States ou na Zoropa?

Ou também falamos qaqueles que se obrigam a enfiar os filhos (quase bebês, algumas vezes) em impessoais creches, escolinhas e afins?
Ou daqueles que saem às quatro da manhã e voltam à meia-noite?


De perto ninguém é normal

"Os jovens normais não serão afetados..."

Jovens normais... Onde estaria essa régua de medir normalidade? O que é normal para o jovem que sai da aula de balé? Roubar carteiras é que não deve ser.

Mas o fato de ele não roubar carteiras, tênis ou boné não prova sua boa índole. Muito menos sua normalidade.


Mas normal ou não, com boa ou má índole, jamais será preso por esses crimes - seja pela não necessidade de cometê-los, seja pela ação de bons e caros advogados.

O que é normal para a criança que só vê os pais no beijo de boa-noite?


O que é normal para a criança que passa o dia inteiro desprotegida, eterna presa fácil para aliciadores?

O que é normal para a criança que presencia a truculência policial e recebe afagos e promessas de traficante e derivados?

Poucas coisas (se alguma) são mais difíceis de definir do que a ideia de normalidade. Mesmo que nos colocássemos - todos - nas mesmas condições sociais, econômicas e afetivas, ainda assim normalidade reinaria como conceito impenetrável. 



Dura Lex Sed Lex

Por que se continua a defender a criação de leis como se, neste país, leis fossem cumpridas?

De onde vem tanta fé na imparcialidade de magistrados e policiais?

Não estamos carecas de testemunhar o modo de agir da polícia nas periferias e favelas?

Alguém acredita que o moço do balé que queimou um índio, um morador de rua ou um torcedor do Capivari vai acabar no xilindró? 




Minha Cela Minha Vida

Dados demonstram que crimes cometidos nessa faixa etária representam um minúsculo percentual do total.

A discussão se faz agora porque vivemos na Era do Gogó. Falastrões saem alardeando respostas fáceis para questões complexas e ganham holofotes, aplausos e eleitores.

Se a única solução para nossas mazelas for trancafiar mais gente,convém começarmos a providenciar um puxadinho nas prisões. 



Lá se vai o bebê com a água da banheira

Por que, mais uma vez, deixamos de fazer o óbvio? Por que não lutar para que o Estatuto da Criança e do Adolescente um dia cumpra o fim a que se propõe?

Porque é mais fácil, claro. Porque a gritaria soa melhor aos ouvidos de uma sociedade acuada. Porque pensar pode doer um pouco. Porque julgar realidades alheias é cômodo aqui de nossos sofás.
Para variar, abdicamos de ideias racionais e das experiências mundo afora. Abandonamos um projeto e resolvemos tudo na base do canetaço. 



Hello! Não funciona

Por que não ouvimos especialistas e ignoramos evidências? Tudo indica que a redução da maioridade causará aumento e agravamento da criminalidade.

Continuaremos a crer que opinião vale mais do que fato? A crer que reação prescinde ação? Que imediatismo e gritaria vão resolver problemas históricos?

Beleza, vamos nessa. As celas de aulas terão muito a oferecer a esses amadores de calça curta.


É Gol!

Depois de tantas perguntas (embora não esgotadas), uma pequena consideração.

Não, a lei atual não prevê que estupradores e assassinos (de qualquer idade) fiquem em liberdade. Eles são levados para os tais centros para menores infratores. Ou deveriam ser levados.

Aqui, certamente, está o xis da questão, uma vez que a pena máxima para menores é de três anos.
Não resta dúvida que a pena para crimes hediondos deve ser revista. Essa seria a discussão válida e pertinente.

Mas redução da maioridade é uma evidente tentativa de jogar para a torcida. Ótimo para os garganteadores de plantão alavancar suas verdades caducas.

Não importa que não vá funcionar, mas vai aplacar o desejo de vingança que permeia as salas de estar. E ainda rende uns votinhos. 



Longa Metragem

"Quanto à reeducação, isso já e uma história mais longa" 

Pois é, Seu Marco, reeducação é uma longa história.

Reeducar (ou educar - o que seria bem melhor), reduzir desigualdades, oferecer condições iguais, todas essas medidas representam o roteiro daquelas histórias longas que ninguém se interessa em produzir. A bilheteria não vai compensar. 




É de pequenino que se torce o pepino

Enquanto continuarmos a ver o mundo pela lógica do nós e eles, enquanto não começarmos a produzir essa longa história, sugiro que sejamos práticos.
Poderíamos, desde já, trancafiar esses meninos que andam aí pelos semáforos e escadões, que nos afrontam com seus colchões na calçada e seus narizes escorrendo.

Para que esperar? Tenho certeza que qualquer um de nós pode imaginar o tipo de futuro que os espera.

Por via das dúvidas, sejamos prudentes e precavidos. Já está mais que na hora de providenciar vigilância permanente nas maternidades do SUS.