segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Você não está só



Percebo que você está atônito. Você vê o opressor voltar sobre os ombros dos oprimidos, vestindo a capa da barbárie, cheio de bravatas, dedo em riste, cuspindo arrogâncias. Ao contrário do passado, ele nada precisa impor. Agora ele tem o voto, ele tem a cumplicidade ou a ingenuidade de quem aplaude seu discurso de selvageria e atraso.

Percebo que você está frustrado. De tanto esmurrar ponta de faca, você perde o sono, o humor, as estribeiras. Você perde a fé na humanidade.

Percebo que você está abatido. Você teme ver tudo acontecer novamente. Você teme por seus filhos, por seus netos, pelas gerações que talvez não tenham mais direito à voz.

Você procurou o diálogo e ouviu frases feitas. Propôs questões complexas e ouviu respostas simplistas. Você revelou que o mundo lá fora está perplexo, você compartilhou as ideias daqueles que aprofundam o pensar, tentou investigar além da superfície, dos adjetivos, das provocações, dos memes e das notícias falsas.

Você tentou dialogar, tentou evidenciar o óbvio porque os mortos da história não podem se manifestar.

Percebo que você se sente só. Mas você não está. Você tem a companhia daqueles que ousam acreditar. Talvez a mochila da intolerância se revele pesada demais, mesmo para seus seguidores.

Que nossas redes de afinidade, de solidariedade, de paz e gentileza possam arrefecer a marcha embrutecida de um capitão simplório.

Porque ainda nos resta essa empatia, resta-nos esse apoiar uns aos outros nos novos tempos que já nascem envelhecidos. Resta-nos essa resistência conjunta aos coturnos de cinco décadas que chutam a porta de nossa história.

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