domingo, 28 de setembro de 2014

Carta ao homem rico (ou Oito obviedades que todo rico deveria saber)









(Este documento foi encontrado sob os escombros do Banco Mundial, junto a um cachimbo, uma garrafa de perriet e uma passagem para Paris. Trata-se da correspondência de um homem pobre a um homem rico, no final da era em que havia ricos e pobres.)



Caro rico,

Você não esperava que este dia chegasse, mas este dia chegou. O dia em que o sino da paróquia caiu sobre nossas cabeças e nós, pobres, finalmente acordamos.

Depois de séculos de sim senhor e salamaleques, nós finalmente entendemos que do lado de cá tem muito mais gente.

Vocês (banqueiros, empreiteiros, grandes proprietários de terras rurais e urbanas, senhores da informação e outros não menos cotados) cabem todos em nosso quintal.

E você já deve imaginar que nosso quintal é menor que sua cama ultra-super-double-king-size.

Pois é, comemos bola por muito tempo, não há dúvida.

Ocupados em servi-lo, não ouvimos aquela lição tantas vezes repetida: democracia é o poder da maioria.

E quem era a maioria o tempo todo? Dããã!


Agora sim entendemos que basta dizer uh! e vocês tremem as perninhas brancas. Se eu fosse você – coisa que sinceramente não desejo – começaria a prestar mais atenção ao que acontece debaixo do seu nariz.

Porque, apesar desse nariz de perdigueiro, você ainda não conseguiu farejar a pista das obviedades que saltitam como suas lagostas na água fervente.

Já que não posso salvar as lagostas, permita-me então que eu lhe abra as narinas para apenas oito obviedades:


Obviedade 1:

Você agiu errado, meu caro. Você não usou a tática recomendável. Pensou que continuaria a atuar como se a Terra fosse propriedade de meia-dúzia de escolhidos por Deus. Aqueles do grupo de golfe, talvez?

Você deveria ter se precavido, cedido algum terreno, recuado estrategicamente para adiar o inevitável.

Mas você preferiu construir apartamentos de trocentos metros quadrados para os donos da bufunfa e deixar sem moradia tantos de nós.

Não é de surpreender que você tenha encontrando o Pedrão morando em sua suíte master.


Obviedade 2:

Você colocou uma vaquinha no pasto e disse que ali ninguém podia plantar. Não entendeu que reforma agrária não é reforma, é retomada do bom senso.

A Terra é de todos, a Terra é de ninguém. Mas já que um dia decidimos dividi-la, que a divisão seja acordada entre todos nós.

Você terá direito de se manifestar e, garanto, sua voz terá o mesmo valor que a voz do Pedrão.


Obviedade 3:

Esmolas não surtiram efeito. Benefício disso e daquilo, vale-transporte, vale-comida, vale-casa, vale-dente, vale-cachorro.

O que vale mesmo é salário digno, você deveria saber. E por salário digno, refiro-me a um salário parecidinho com o seu.

Sim, caiu a ficha e o bicho vai pegar.


Obviedade 4:

Enfiar dinheiro no bolso de políticos tornou-se ato inócuo. A razão é simples: nós já não pedimos, nós fazemos.

Políticos agora serão nossos porta-vozes, não nossos líderes. Representantes autênticos dentro desta sociedade possível.

Primeira pisada de bola, qualquer ato contrário aos desejos da maioria, pode ir, meu chapa, que a fila anda.


Obviedade 5:

Você deveria ter dado melhor destino ao seu dinheirinho. Teria sido tão simples dividi-lo. Acredite, você nem perderia tanto. Novamente o motivo é claro: o que existe no mundo dá para todos.

Você não vai passar fome, nem sede, e continuará a viajar a Paris. Infelizmente eu não posso garantir que você poderá manter o hábito do almoço das sextas nas Champs Elyseés.

Mas tem uma cantina ali no Bexiga que você vai adorar. O Pedrão recomenda.


Obviedade 6:

Estava fácil não é? Eu guardava os meus trocados no seu banco, você fazia o que quisesse com ele e ainda me cobrava por isso.

Mas, quando era eu que precisava de uns caraminguás do seu cofre, você me obrigava vender as calças para conseguir devolvê-los.


Obviedade 7:

Por quanto tempo você pensou que poderia nos iludir? Mais cedo ou mais tarde (quase tarde demais), acabaríamos por compreender que a informação está todinha em suas mãos.

Agora sabemos que não podemos acreditar nas imagens que você nos oferece. A imagem, a notícia e a opinião sempre foram suas. O fato nunca foi um fato. O fato era a história de um fato – sempre contada por você.

Descobrimos que, quando TV e internet exibiam crimes cometidos nas ruas, normalmente por pobres, muitos outros crimes estavam sendo cometidos nos seus gabinetes, sobre o verniz de sua escrivaninha, envoltos na fumaça de seu cachimbo.

Deixamos de acreditar quando uma ou outra ponta de iceberg eram reveladas como esporádica exceção.

Saiba também que já identificamos certas palavras que você repetia para desnoticiar.

Na manifestação de sem-tetos, por exemplo, quando você chamava alguém de invasor, a palavra já indicava de que lado você estava.

Ignorava o drama das famílias, não mostrou as crianças horrorizadas sob bombas de gás.

Não mostrou o lado de cá, a angústia daquele que reivindicava o direito de moradia garantido na constituição.

Assim, a sua desnotícia sempre se valeu de palavras tortas: baderneiro, agitador, comunista, radical e tantos outros termos que encontraram para dizer: “ô Pedrão, dá para parar de encher o saco?”


Obviedade 8:

Você não é rico. Você pode até ser milhonário, mas é não é rico. Você ainda pensa que o objetivo da vida é engolir dinheiro.

Você não tem amigos (nana nina não, aqueles caras do golfe não são seus amiguinhos).

Você não tem paz, não tem limites, não tem escrúpulos, não sabe que um dia vai morrer.

Quando você não estiver mais por aqui, seu iate ficará a deriva, sua arrogância definhará nos corredores do poder.

Sob os guarda-chuvas, por detrás de óculos escuros, seus amores não serão amores. Serão herdeiros.

Nesse dia o dinheirinho voará sobre as ruínas de seu império. O Pedrão jura que vai limpar a bunda com ele.

Do seu agora amigo de classe social,

O pobre


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