“Eu tive a experiência de sair do meu corpo.
Primeiro eu flutuei com o vento. Depois, eu me vi pelos olhos dos outros. Fui
um pássaro, fui idoso, fui criança, fui minúsculo. Eu me senti livre,
excitante, renovado. E aí...” (Transcrição do áudio do comercial do novo Honda Civic)
Na tela de sua TV, enquanto o autor das palavras acima dirige sua reluzente máquina por paragens longínquas, erguem-se os olhos admirados de um velho, os olhos curiosos de uma criança e os olhos surpresos de um pássaro. Apenas um inseto - representando o supracitado minúsculo - não demonstra muito interesse. Você sabe, insetos são tão difíceis de adestrar...
No comercial, o
proprietário do Honda, ao sair do corpo, vê a si mesmo (ou o carro) por olhos
alheios, pelos olhos do velho, da criança e do pássaro.
Depois, certificado de que parecia cool, precedido pelo olhar insinuante
de uma bela mulher, o iluminado proprietário do Honda Civic, encerra sua jornada extra-corpórea: “E aí... Eu voltei para o meu corpo. Eu
gostei de ser eu.”
E parte com seu bólido pelos asfaltos deste mundo. Na tela, o veredicto: "Honda Civic - O carro em que você quer se ver."
Procurei
encontrar um rótulo para descrever a primeira impressão causada pelo comercial.
Depois de algumas pestanas queimadas (que ninguém mais as queima hoje em dia),
entendi que Apelo Explícito à Nossa
Vaidade Exacerbada seria rótulo adequado.
A novidade aqui
não está na vaidade exacerbada, mas no apelo explícito. Os publicitários
cansaram-se das sutilezas.
Eles já não
têm pudores em nos enfiar goela abaixo as nossas necessidades vazias: “Eu sei
que você não está interessado na utilidade deste treco, eu sei que você está
cheio destes trecos no porão, mas este treco é mais novo do que o treco do seu
vizinho. E já vem com comando de voz”.
O comercial do
Honda Civic não valoriza o produto por suas qualidades como meio de transporte,
por seu conforto, por sua velocidade, por seus acessórios.
O que o comercial está vendendo é a garantia de aprovação do outro, o olhar admirado da criança e do velho, o olhar surpreso do pássaro. O olhar fascinado do mundo sobre o seu mais novo treco.
O que o comercial está vendendo é a garantia de aprovação do outro, o olhar admirado da criança e do velho, o olhar surpreso do pássaro. O olhar fascinado do mundo sobre o seu mais novo treco.
O
proprietário do Honda diz que se sente livre, renovado e excitante. Pela experiência única que vive, deveria se sentir excitado, mas ele se sente excitante,
ele sente que provoca excitação nos
outros.
O que a experiência causa nele não tem importância. Ocupado em deslumbrar-se consigo mesmo, somente depois de ter a certeza do consentimento alheio é que o homem volta ao corpo. Ou volta ao carro, porque o carro é que despertou fascínio, não o homem.
O que a experiência causa nele não tem importância. Ocupado em deslumbrar-se consigo mesmo, somente depois de ter a certeza do consentimento alheio é que o homem volta ao corpo. Ou volta ao carro, porque o carro é que despertou fascínio, não o homem.
Observe: com tanto mundo para se ver, esse sujeito ultrapassou as fronteiras do corpo e foi ver a si mesmo!
Ele gostou do que viu, gostou de ser ele. Mas... Ele quem?
Ele gostou do que viu, gostou de ser ele. Mas... Ele quem?
A mensagem é clara: você
apenas existirá (isso é, será socialmente carimbado como humano) se consumir. Apenas o consumo atrai o respeito do velho, da criança, do pássaro e das mulheres. Restará a dúvida a respeito daquele
inseto.
Que saudade
dos tempos em que se vendiam sonhos.
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