quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A Defunta Correa



Quem viaja pelas estradas da Patagônia Argentina, antes de se deslumbrar com geleiras e lagos gelados, testemunhará a monotonia dos pampas ser corrompida pelas cores de garrafas pet. Dispostas em longas fileiras, as garrafas se acumulam a alguns metros da rodovia.

Ao diminuir a velocidade - ou parar, o que é mais frequente-, o viajante vai se deparar com um pequeno santuário.





São dezenas – quem sabe centenas – de santuários, uns rudimentares, outros mais elaborados, todos construídos por devotos da Defunta Correa.

Mas o que fez essa santa mulher?

Maria Antonia Deolinda Correa - quando ainda nem era defunta - foi esposa de um soldado argentino. Assim que o primeiro filho nasceu, o marido foi recrutado para a guerra civil.

Correa ficou a ver navios no deserto, mas não desistiria daquele homem. Seguiu a pé os veículos do exército que cruzavam os milhares de quilômetros daquela imensidão. Levava nos braços o filho recém-nascido.

Depois de dias de caminhada, Correa, com o fim da provisão de água, morreu de sede.

Quando a encontraram, o bebê ainda vivia. Segundo os hermanos devotos, dos seios maternos ainda brotava leite – e a criança era amamentada pela mãe morta.

O bebê foi adotado. Um santuário foi construído no lugar onde Correa - agora sim defunta - havia sido encontrada.



Padroeira dos caminhoneiros, passou-se a atribuir a ela uma série de milagres e os santuários proliferaram à beira das estradas. Neles, os devotos – ou viajantes em geral – deixam garrafas de água para que Correa não sinta sede agora que é defunta.

O local onde foi encontrada com o filho tornou-se hoje um grande complexo turístico com hotéis, campings e restaurantes. Em cada esquina, a Defunta é vendida em souvenires e camisetas.

Perguntei para um peregrino se ele realmente acreditava que ela realizava milagres.

- Si – respondeu o homem –, ella es muy milagrosa, muy milagrosa.

Por via das dúvidas, deixei dois litros de água para a Defunta e parti para me deslumbrar com geleiras.