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foto by José Roberto Aguilar |
(Fala do personagem de J.D. Salinger, Holden Caulfield, em O Apanhador no Campo de Centeio.)
Uma vez que devemos à vaidade dos artistas o acesso a grandes obras de arte, o exibicionismo não pode ser censurado sem critérios. Se pintores deixassem suas telas abandonadas em porões, não teríamos muito que fazer no Museu do Louvre. Eles morreriam de fome, mas nos perderíamos um pouco mais.
Houvesse
Salinger mantido para si o seu “Apanhador...”, eu não teria reproduzido a frase
ali em cima (eu sei, isso não mudaria o destino da humanidade).
O limite da
exibição é que é o dilema do artista.
O dilema do
pintor é conter o anseio de melhorar o perfeito. “Quem sabe uma cerquinha, só
pra finalizar?” Mas a cerquinha acaba ocultando o boi, é preciso reposicionar o
boi e agora o boi parece caminhar sobre a cerquinha. “Não vou nem assinar essa
merda”.
Enquanto o pintor leva suas cercas e bois para o porão, o escritor
sangra ao cortar gorduras e morre um pouco ao cortar da própria carne. A poesia
da página 30, meu Deus, no meio da prosa ela não combina. Precisa sair. E o
mundo vai ter que se virar sem aquele discurso revolucionário do capítulo 6.
Se a busca
do pintor é por contenção de impulsos, a busca do escritor é a busca pela
síntese, a obsessão em dizer o máximo com menos.
Alguns
pintores, talvez para fugir de excessos e daquela ânsia pela última pincelada,
preferem nem dar a primeira. Mantêm a tela branca. O supra-sumo do minimalismo. Nem
um pontinho ali. Nada. O resumo da ausência.
E não é que a tela branca virou moda?
E não é que a tela branca virou moda?
Passaram a
ser tão bem freqüentadas as galerias de telas virgens, que escritores
ao redor do mundo se inspiraram a publicar livros em branco. Os leitores se
multiplicaram. Crianças de dois anos passaram a ter livro de cabeceira. Os
livros didáticos tornaram-se mais baratos e podiam ser lidos mesmo na inexistência de luz.
- Filho, o que você está fazendo aí no escuro?
- Estudando, mãe.
- Filho, o que você está fazendo aí no escuro?
- Estudando, mãe.
Músicas
silenciosas foram compostas. As pessoas ligavam seus aparelhos e ficavam
ouvindo o silêncio. Silenciavam juntas de cor.
O que se
seguiu você já sabe. Filmes sem imagem, peças sem atores, escultura sem matéria
– ou só matéria, sem escultura.
Isso sem
falar das intervenções em outras áreas: relógio sem ponteiro, computador sem
tecla, mula sem cabeça, mala sem alça...
Na busca
pela síntese o artista havia encontrado o nada. O artista, nas parcimônias do
exibicionismo, exibia suas modéstias.
Não foi nos corredores do Louvre que
isso me ocorreu, mas enquanto eu assistia a um jogo do Barcelona. Ao ver algumas
jogadas de Neymar – ele mesmo -, percebi que, entre chutes e pontapés, ele
encontrou o equilíbrio do próprio futebol. E algumas participações desse menino
nos fazem entender o mais e o menos da arte.
Neymar já
não dribla três vezes na própria defesa para voltar ao mesmo lugar. O drible
sempre produz algum efeito de progressão, o movimento em direção ao objetivo.
No futebol,
a arte pela arte não é arte. É preciso aquele último toque de pincel que
transforma a paisagem. É preciso a revelação dramática da última página, a morte do protagonista, o derradeiro golpe de cinzel para introduzir vida à pedra. É preciso o gol.
O poeta pode
escolher entre "seios de Afrodite, molhados
de sol" ou "Afrodite, sombras e vales
da tarde" e estará dizendo a mesma coisa, mas fará bem em escolher a
segunda.
O mesmo faz Neymar. Não ao preferir vales a seios, mas ao desarmar de calcanhar e fazer gol de bicicleta. O efeito seria o mesmo de um carrinho e um bico, mas então já não será futebol. Resultado por resultado eu jogo no bicho.
Cedo ou tarde vão compará-lo a deus e a semideuses, Pelé e Maradonas, mas para que mexer com essas forças? Nem deus, nem semideus, Neymar é da categoria dos anjos atrevidos.
Naquele
tecido frágil (desculpe - tentativa infeliz de melhorar linha tênue), naquela fronteira entre excessos e ausências, Neymar
encontra o improviso num segundo, a dificuldade como inspiração.
Ele descobre cedo aquilo que o artista pode nunca encontrar – e então não será artista. Ele descobre como bailar sobre aquele tecido fino, sobre aquele lugar comum entre a
firula e a arte.
Num minimalismo exuberante, Neymar traz aos estádios o
silêncio de Oludom.
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