sábado, 5 de outubro de 2013

Que nada... É só o jeitinho dele.


(Releitura-da-obra-abaporu-de-tarsila
http://tribarte.blogspot.com.br)

"Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupi or not tupi - that is the question."
Manifesto Antropofágico - Oswald de Andrade


Oswald havia nascido canibal e não podia confrontar a natureza. Devorar os pares é comum entre outras espécies (vide aracnídeos e gafanhotos), por que seria menos aceitável no homem?

Evitavam chamá-lo canibal. Na verdade, evitavam chamá-lo. Quando se referiam a Oswald, usavam o politicamente correto pessoa adepta de relação alimentar alternativa (daí a sigla PARAA – depois se acrescentou um “S” para simpatizantes).


Oswald preferia ser chamado de Oswald mesmo.

Numa semana lírica de 22, uma comissão formada por moradores dos bairros vizinhos dirigiu-se a Brasília com um abaixo-assinado.


Moralistas de carteirinha do movimento Tradição, Família, Propriedade e Porrada, seguidos por vegetarianos, pediam que canibalismo passasse a ser considerado crime.

Mas, o Jardim Andrade, lugar de nascimento de Oswald, não se calaria. Preconceito era uma coisa. Mas criminalizar o hábito ancestral significaria um golpe contra a cultura alimentícia primitiva.

No dia da votação, liderados por um tal Cavalcanti (também conhecido por Di), portando crânios, tíbias, destrinchadores e caldeirões de cozimento lento, o movimento canibalista marchou sobre o congresso.

Bandeiras com ossos cruzados de um lado, gritinhos de pavor do outro, as manifestações rivais invadiram as ruas da capital.

A tensão era permanente. A votação no parlamento seguia apertada.


Até que Macunaíma, porta-voz do Jardim Andrade, invadiu o plenário e leu o Manifesto Antropofágico.

Foi uma comoção generalizada. Nas galerias, apoiadores de Oswald entoavam suas palavras de ordem:

- Contra pensamentos enlatados!

- Contra as elites vegetais!

 A câmara acabou por reprovar a lei. O saudável hábito do canibalismo continuará a ser praticado livremente.

Para comemorar o sucesso, Oswald convidou o presidente da câmara para jantar.

O presidente entrou no número 22 da Rua Abaporu às oito da noite de terça-feira.


Até hoje não saiu.