Esta vai ser fácil de escrever. A tarefa é simples: explicar
o Inexplicável, sondar o Insondável. Mas é preciso começar.
Comecemos. Para alguns hindus, o Universo é Deus pensando. Nossos irmãos do Oriente não dizem que o Universo é o pensamento de Deus. Porque, para eles,
Deus não é estado. É ação.
Como pode ser substantivo Aquele que no princípio era o
Verbo?
- Mas que porra de verbo é esse que todo mundo fala?
E não está ali, cara pálida, às margens do Nilo? Deus não
pode ser entendido como algo estático. Ok, Deus não pode ser entendido, mas é
possível assimilá-lo um pouco. Deus, movimento e expansão. Nós, homens, cachorros e
unhas, crescemos todos juntos com Ele.
- Ah, você está facilitando as coisas...
Dizem que...
- Quem diz?
Eles. Os cientistas. Com bastante parcimônia dá para usar
alguns daqueles conceitos. Pois não é que eles criaram a imagem de um Universo
Virtual?
Na reprodução, em uma infinita malha, galáxias interagem por
intermédio de longos feixes esbranquiçados. Esses feixes cruzam toda a
matéria escura que mantém as galáxias unidas.
A matéria que você conhece, que está acostumado a tocar (sua
escrivaninha, sua vizinha, seu livro de cabeceira) representa apenas um sexto do Universo. O resto é matéria
escura, mas que ninguém – nem eles – tem a mínima ideia do que seja.
- Só você, né?
Saber, eu não sei, mas tenho uma proposta a fazer.
- Aí vem.
Terei primeiro que me desculpar por citar o verme de
Spinoza.
- O espaço é seu. Escreva o que lhe der na telha.
Spinoza dizia que um verme habitando nossas veias não
veria o sangue. O verme é cego? Não. O verme seria cego se pudesse ver o sangue, porque
assim não veria nada além disso, nem glóbulos brancos, nem vermelhos, nem
plaquetas. O mundo do verme seria apenas a imensidão vermelha.
Se nós, vermes do Universo, pudéssemos ver a matéria escura,
seríamos cegos para todo o resto, uma vez que ela nada mais é do que aquilo que
normalmente chamamos de espaço. É esse espaço que circunda e une toda a matéria
tátil, as galáxias, as formigas, nós dois, a Lady Gaga.
- Aí você já está exagerando.
Você ainda não viu nada. Imagine o Universo como uma esponja. Uma
esponja daquelas de banho, com espaços vazios, só que com mais e maiores
espaços vazios.
O espaço vazio da esponja representa a matéria escura, a
parte que não podemos ver, mas que está ali, é imprescindível para que a esponja
seja uma esponja e você possa esfregar o pescoço.
A parte visível da esponja, toda interligada por filamentos
sintéticos, representa as galáxias e suas conexões.
- Até aqui, eu cheguei.
Então, eis minha proposta. Tudo isso que até agora nós chamamos
de esponja...
- Que você chamou de esponja.
Essa esponja infinita que se expande, esse conceito quase
compreensível, é o próprio cérebro de Deus, Sua massa cinzenta. O Verbo, que
se faz visível.
- ...
Se o cérebro de Deus é composto de matéria escura, as Galáxias
são Seus neurônios, e todos aqueles feixes esbranquiçados pelos quais se
comunicam, as Sinapses Divinas. Em constante interação, algumas galáxia se chocam para se
fundir em uma só, outras se afastam, outras nascem, o Todo cresce.
- E nós? Onde que nós ficamos nisso tudo?
Você acha mesmo que nós temos alguma importância? Qual sua idade?
- Cinquenta.
Parece menos, mas o que representam cinquenta anos, o que representam
quinhentos, cinco mil, um milhão de anos? Menos do que um piscar de olhos para
o Universo que tem doze bilhões.
- Assim você me deprime.
Pode-se piorar um pouco. Se, no tempo, somos miseravelmente
insignificantes, imagine no espaço infinito que se expande?
- Tem uma corda aí?
Mas não é aí que está o bom da coisa toda? Nossas
insignificâncias unidas pela matéria escura dos pensares de Deus, desde sempre,
para todo o sempre, não como eterno retorno, mas como eterna expansão divina.
- E que vantagem eu levo nessa?
Nenhuma, se você pensar em Deus como meio, embora seja assim
que costumamos pensar. Deus, um meio
para atingir meus objetivos, para ser feliz, para ganhar na mega-sena.
Deus não pode ser meio, mas objetivo, alvo, final. Não peça
a Ele a satisfação de suas vontades, Deus não existe para servi-lo. Se
dependermos das ações de Deus para acreditar n’Ele, o melhor a fazer, desde já,
é nos assumirmos ateus.
Se aceitarmos Deus como objetivo, então nossas próprias
ações nos levarão a Ele. Bastará dançar no ritmo do Universo, nesta dança
cósmica, nos embalos da Onisciência.
Se Deus é expansão e nós nos mantivermos estagnados, abraçados
nesta matéria visível, estaremos remando contra a maré. Mas se usarmos nossa capacidade de integração,
não apenas uns com os outros, mas com tudo o mais que existe, visível ou não, estaremos
aptos a entrar na sintonia dos pensamentos d’Ele.
O segredo está em percorrer as espirais dessas nebulosas. Cedo
ou tarde encontraremos aquele perdido caminho das almas. Assim o homem,
minúscula partícula de Deus, deixará sua insignificância para se sentir grande
como as galáxias, divino como as estrelas, matéria do Pensamento Maior, aliado da Vontade.
- Bonito isso, né? Será que seguindo esse caminho de almas e nebulosas que une o Faustão, as formigas e a humanidade, eu vou encontrar a Lady Gaga?
Sim, É inevitável.